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IMPRENSA

Já nas bancas!

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Já nas bancas!

Com seu valor cultural renovado, as revistas impressas ganham o status de cult e atraem de boomers a millennials nostálgicos, além de entediados tecnológicos da Geração Z

Por Fernanda Nobre

Visitar as li vrarias da vizinhança e garimpar as últimas revistas publicadas é um ritual nos finais de semana do especialista em marketing digital Adam Scheffel, 37 anos, que vive nas redondezas do efervescente Broadway Market, na região leste de Londres. Ele faz parte de uma geração que ainda experimentou um mundo analógico. Para Scheffel, as revistas impressas, além de ser um meio de desconexão das telas, despertam seu interesse por arte e memórias afetivas. “Tenho uma forte lembrança da família indo à banca, cada um escolhendo seus exemplares, e a urgência em começar a navegar aqueles universos”, conta. A banca de jornal decerto foi um personagem próprio de toda uma época, que unia em um único e pequenino ponto interesses de toda a família. É difícil conversar sobre o assunto com quem tenha nascido até os anos 1980 sem que surjam lembranças paralelas e associações emocionais. A antecipação pela chegada da revista favorita, o ambiente criado para a leitura, a expectativa para desvendar o conteúdo destacado nas chamadas na capa, as fotos que seriam vistas e revistas, o cheiro do papel. Uma conversa que mexe com os sentidos. Títulos nacionais periódicos, como Superinteressante, Manchete, Quatro Rodas, O Cruzeiro, Placar, Claudia, Capricho e Casa e Jardim, entre tantos outros, abrangendo os mais diversos temas, representavam uma integração palpável com o mundo. Outros internacionais, como National Geographic, Life, Rolling Stone e Vanity Fair, permitiam cruzar fronteiras. E, para quem viajava ao exterior, exemplares especiais eram suvenires mandatórios, que seriam compar – tilhados e guardados por muito tempo, como preciosida – des. “Meu tio-avô era pintor e passava bastante tempo na Itália”, relembra Scheffel. “Quando nos visitava, no interior do Rio Grande do Sul, trazia revistas especialmente para mim. Era um vínculo nosso.” É oportuno lembrar que esta THE PRESIDENT caminha para os 15 anos de história, sempre publicada pela mesma casa editorial, a Custom, que também publica a UNQUIET. Desse endereço saíram cases de sucesso entre as publica – ções customizadas, incluindo MIT Revista, Living Alone, mmartan Home e Wine.

Teoria da nostalgia

A Teoria da Nostalgia é um dos conceitos que justificam a tendência de o ser humano retomar hábitos mais simples e conhecidos, após períodos de significantes inovações e mudanças coletivas de modo de vida e de comportamento. Ela sugere que o ser humano busque conforto em rotinas, lembranças e objetos familiares. O mesmo conceito explica o retorno do interesse em certos produtos e hábitos, como hoje vemos: discos de vinil, filmes e equipamentos analógicos, produtos artesanais, alimentação natural e interações humanas mais profundas em geral. Esse fenômeno de comportamento “bumerangue” não é novo, mas possivelmente seja mais notado em um mundo pós-tecnológico e hiperconectado. A teoria reflete ainda a busca por um resgate identitário, desgastado ou mesmo perdido pela padronização e aceleração provenientes da incorporação tecnológica.

Retrô revival

Raras tendências de comportamento e mercado conseguem englobar gerações distintas. No entanto, gerações mais recentes, como a Z (de 1997 a 2012), que cresceram atrás de telas individuais e longe de equipamentos até há pouco tempo cotidianos, como aparelhos de telefone, televisores, discos e revistas, embarcam nessa tendência como uma base significativa para o “mercado da nostalgia”. “Hoje, cerca de 50% da Geração Z nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália quer se desconectar, impulsionando o ressurgimento de formas analógicas”, diz Mariana Santiloni, especialista em tendências da WGSN (uma empresa de análise e design de tendências). No Brasil, estudos do Instituto Delete indicam que 30% dos jovens relatam sentir ansiedade devido ao uso excessivo de redes sociais. “Hoje percebo quando a ansiedade vem das redes sociais e dou um tempo. Atividades analógicas acalmam”, confessa Luiza Rocha, 20 anos, consumidora de produtos vintage. Essas gerações vivem o chamado Retrô Revival, que busca em objetos e hábitos um modo de vida mais analógico e tátil. Além de escape da hiperconectividade, trata-se também de uma ligação com um passado idealizado. São jovens que sentem nostalgia de uma época não vivida e, possivelmente, mais interessante.

A “cara” da nova revista

O avanço avassalador da digitalização da informação, no início dos anos 2000, causou um abalo sísmico no mercado editorial, no modo de consumo de conteúdo e na vida como um todo. Mas, assim como acontece com eventos disruptivos, é preciso tempo para visualizar a nova ordem. Quase três décadas depois, os efeitos da hiperconectividade são o ponto de convergência entre esses movimentos de reintegração analógica. Hoje, mais de 60% da população mundial utiliza as redes sociais. Com informações atualizadas disponíveis em segundos, na palma da mão, o consumidor desse nicho é exigente. Daí a adaptação das revistas impressas, revitalizadas, aos novos tempos. Não mais uma fonte primária de informação, a “nova revista” imprime a expressão ou a busca por um estilo de vida mais conectado, mas, ainda assim, valorizando atividades que unem relaxamento, presença, experiências sensoriais, apreciação, aprendizado e base para a troca. O lazer intelectual. Assim como no digital, a nova revista contempla a estética. O visual é um ponto de sedução fundamental e determinante para o engajamento. Além disso, o design confere um status especial a essas publicações, como artigos colecionáveis e até objetos decorativos. Já os temas tendem a ser mais nichados do que no passado, trazendo ainda conteúdos mais aprofundados e reflexivos, sejam em temáticas contemporâneas, atemporais, educativas ou aspiracionais

A “cara” da nova revista

O avanço avassalador da digitalização da informação, no início dos anos 2000, causou um abalo sísmico no mercado editorial, no modo de consumo de conteúdo e na vida como um todo. Mas, assim como acontece com eventos disruptivos, é preciso tempo para visualizar a nova ordem. Quase três décadas depois, os efeitos da hiperconectividade são o ponto de convergência entre esses movimentos de reintegração analógica. Hoje, mais de 60% da população mundial utiliza as redes sociais. Com informações atualizadas disponíveis em segundos, na palma da mão, o consumidor desse nicho é exigente. Daí a adaptação das revistas impressas, revitalizadas, aos novos tempos. Não mais uma fonte primária de informação, a “nova revista” imprime a expressão ou a busca por um estilo de vida mais conectado, mas, ainda assim, valorizando atividades que unem relaxamento, presença, experiências sensoriais, apreciação, aprendizado e base para a troca. O lazer intelectual. Assim como no digital, a nova revista contempla a estética. O visual é um ponto de sedução fundamental e determinante para o engajamento. Além disso, o design confere um status especial a essas publicações, como artigos colecionáveis e até objetos decorativos. Já os temas tendem a ser mais nichados do que no passado, trazendo ainda conteúdos mais aprofundados e reflexivos, sejam em temáticas contemporâneas, atemporais, educativas ou aspiracionais

Alma inquieta

Uma revista de turismo que nasceu em plena pandemia: essa é a UNQUIET. A publicação foi lançada em novembro de 2020 para inspirar aqueles que amam viajar e são inquietos por natureza. Com a curadoria de uma equipe antenada e colaboradores renomados, UNQUIET oferece uma experiência visual única pelo mundo, sempre valorizando a diversidade, a sustentabilidade e o respeito às crenças e culturas.

Um novo mercado

De acordo com a correspondente da Aner (Agência Nacional de Editores de Revistas) na Europa, Lulu Skantze, e a futuróloga Daniela Klaiman, o movimento offline vem crescendo, sobretudo na Europa. “O Brasil tem hábitos de leitura um pouco diferentes, com maior proximidade com a TV, por exemplo”, aponta Lulu Skantze. “Mas acreditamos que a saturação de telas atinja a todos. Há espaços a serem explorados com as revistas. Os nichos são alguns deles.” O Brasil tem uma média diária de conexão digital de mais de nove horas – a média global é de seis horas e meia. Grupos editoriais também começam a apostar em uma retomada para além do nicho. “No Brasil, já tivemos o anúncio dos lançamentos da Billboard, Esquire e Manchete”, comemora Regina Bucco, diretora-executiva da Aner. “A revista Capricho recentemente foi relançada em versão impressa. A Veja Rio voltou a ser semanal. No exterior, a Newsweek voltou às bancas nos Estados Unidos e a Condé Nast e a Hearst estão reposicionando suas revistas como itens de luxo.” Com a transição digital (e uma pandemia no caminho), o mercado de luxo, tradicionalmente ancorado em experiências, teve que se transformar com a rapidez das redes sociais. Apesar do início incerto, muitas marcas se ajustaram e, de fato, excederam-se nessa transição, com ações eficazes. Gucci, Louis Vuitton e Balenciaga, para citar algumas. Agora, em um novo período, híbrido, marcas de luxo estão munidas da expertise adquirida e de um acervo de experiências que fazem parte de seus históricos. Nessa perspectiva, as publicações impressas estão em sua mira. Uma das pioneiras do “detox digital”, a Bottega Veneta, começou a explorar o elemento tátil com o lançamento de um zine. Em 2024, a marca se juntou à plataforma de arte colaborativa Magma para a criação de uma edição especial, dedicada ao mundo das artes. Não só da produção de publicações consistem as estratégias de marketing para um equilíbrio on e offline. Anúncios impressos focam um público atento e exigente (que busca qualidade de produtos e estilo de vida). Esse talvez seja o maior déficit dos anúncios online. O último relatório da Two Sides revelou um crescimento expressivo na preferência dos brasileiros por revistas impressas, saltando de 17%, em 2021, para 35%, em 2023. O relatório Media Reactions 2022, da Kantar, mostra que o público prefere ver anúncios em meios offline. Enquanto a pesquisa YouGov Profiles, que ouviu 166 mil pessoas, mostra que 82% dos entrevistados no Reino Unido e 71% nos EUA tiveram mais prazer em ler revistas impressas do que digitais. Enquanto a internet domina a rapidez e a acessibilidade da informação, a mídia impressa ressurge como um espaço de experiência e profundidade. Um novo mercado.