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Cinco estrelas muito família

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Cinco estrelas muito família

Chitra Stern é a CEO do Martinhal — uma rede de hotéis de luxo que se caracteriza por especial atenção para quem tem crianças

Por Walterson Sardenberg Sº

Retratos Germano Lüders

Chitra Stern é, antes de tudo, um fenômeno multicultural. Filha de imigrantes indianos, ela nasceu em Singapura, estudou na Inglaterra e mora há décadas em Portugal. Graduada em engenharia eletrônica pela University College London, tem um MBA pela London Business School. Foi neste curso de extensão que conheceu o marido, o suíço-alemão Roman Stern, pai de seus quatro filhos. Já então nutria uma imensa vontade de empreender. Até porque isso vem de família.

Família, por sinal, é uma palavra essencial na vida de Chitra. Não só porque tornou-se uma mãe dedicada — mesmo tendo um dia a dia atribulado em virtude dos negócios — mas também porque a experiência da maternidade foi fundamental na sua visão de empresária. Em parceria com Roman, ela fundou os Martinhal Resorts, rede de hotéis de luxo em Portugal com um diferencial de grande destaque: o serviço oferecido para famílias, incluindo aquelas com filhos pequenos.

Um desdobramento natural desse investimento foi o surgimento das branded residences. Entenda-se por isso a extensão de condomínios vizinhos ao hotel, servidos por toda a estrutura hoteleira de um cinco estrelas. Chitra, porém, não parou por aí. Mais uma vez se valendo da experiência da maternidade, ela vem, sempre em dupla com o marido, investindo em educação. Começou em 2020 com a United Lisbon International, que já deu frutos. “Acreditamos que a educação é um pilar essencial para transformar sociedades, e queremos contribuir com essa transformação de forma concreta, com qualidade e visão de futuro.”

THE PRESIDENT _ Por que a senhora estudou engenharia eletrônica, que, a rigor, é uma carreira bem diferente de seus negócios atuais?

Chitra Stern – Embora meu sonho inicial fosse fazer medicina, sempre tive um apreço muito grande por matemática e física – disciplinas nas quais eu naturalmente me destacava. Além disso, cresci em uma família muito empreendedora, o que também influenciou minhas escolhas. Por isso, optei por uma formação sólida e analítica, que me abrisse portas em diferentes áreas. Formei-me em engenharia eletrônica na University College London, o que me deu uma base excelente para atuar no mundo dos negócios — especialmente nos meus primeiros anos, quando trabalhei com auditoria e consultoria na PwC.

Foi durante um MBA em Londres que conheceu seu marido. Como aconteceu?

CS – Sim, conheci o Roman durante o MBA na London Business School, em 1999. O segundo ano do curso oferecia uma série de disciplinas optativas, e como eu já tinha uma base sólida em finanças pela minha formação como revisora oficial de contas e pela experiência na PwC, aproveitei para focar em áreas que me interessavam mais naquele momento, como empreendedorismo, estratégia e marketing. Escolhi cadeiras como Desenvolvimento de Novos Empreendimentos, Financiamento de uma Empresa, Empresarial e Gestão de uma Empresa em Crescimento — que depois acabaram sendo fundamentais para os nossos projetos futuros.

O Roman também estava fazendo o MBA e, desde o início, nos conectamos, pois compartilhávamos valores, espírito empreendedor e uma vontade enorme de criar algo nosso. Logo começamos a trabalhar juntos em projetos reais: ele deixou a PwC para liderar algumas iniciativas imobiliárias em Zurique, na Suíça, e, ao mesmo tempo, passou a cuidar de um pequeno hotel-boutique na Irlanda, em que investidores suíços tinham participação. Mesmo enquanto eu ainda estava cursando o MBA, já colaborava com ele nesses projetos. Pode-se dizer que foram nossas primeiras experiências no setor hoteleiro e imobiliário. Casamos no mesmo ano em que nos formamos e, daí em diante, somos parceiros de vida e de negócios. Trabalhamos juntos em todos os empreendimentos — definimos a visão e a estratégia de forma conjunta. Eu atuo mais como o rosto público dos nossos negócios e lidero as empresas operacionais, incluindo toda a parte de marketing e experiência. O Roman foca no desenvolvimento imobiliário, nas questões jurídicas e financeiras. Construímos juntos não só um negócio sólido, mas também uma família com quatro filhos — o maior projeto da minha vida.

Como surgiu o primeiro hotel Martinhal?

CS – Em 2001, eu e o Roman fizemos uma viagem ao Algarve e ficamos completamente encantados com a região. Naquela época, o sul de Portugal ainda era pouco falado, os destinos de referência eram o sul da França ou da Itália. Mas ali encontramos praias de areia branca, pessoas acolhedoras, uma infraestrutura em desenvolvimento graças aos fundos da União Europeia e, claro, o fato de o inglês ser amplamente falado facilitava muito. Vimos um projeto no barlavento algarvio e enxergamos um potencial imenso. Decidimos mudar para a cidade de Lagos, onde transformamos a nossa casa no centro de operações para lançar algo totalmente novo. Estávamos dispostos a ficar cinco anos, mas acabamos nos estendendo até hoje. Estava grávida do nosso primeiro filho quando assinamos o contrato do terreno. Quando ele nasceu, nossas prioridades como viajantes mudaram completamente. Deixamos de ser um casal aventureiro para sermos uma família em busca de experiências mais adaptadas à nova realidade e foi aí que percebemos onde nosso projeto poderia ser verdadeiramente inovador. Em 2010, nasceu o Martinhal Sagres. Éramos vistos como loucos por sermos muito jovens, sem experiência na hotelaria, com ideias ousadas. Mas, justamente por isso, conseguimos pensar diferente e propor inovações. Eu sempre digo que a criatividade precisa de uma pitada de loucura. Hoje, tenho orgulho em dizer que criamos uma referência no turismo familiar de luxo, com um conceito que ainda nos inspira.

Qual é a diferença entre os hotéis de luxo em geral e aqueles da rede Martinhal para quem viaja em família?

CS – Enquanto hotéis de luxo, muitas vezes, não acomodam bem crianças, o Martinhal foi pensado para garantir férias de alto padrão a toda a família, avós, pais e bebês. Infraestrutura dedicada (kids clubs, menus, monitores), além de áreas onde os pais podem relaxar em paz, são as nossas marcas registradas.

Como o fato de ter se tornado mãe influenciou na filosofia de serviços da cadeia Martinhal?

CS – Ser mãe de quatro filhos trouxe uma visão real sobre necessidades familiares: desde menus balanceados a rampas para carrinhos, o serviço foi desenhado a partir das próprias vivências de Chitra e Roman como pais. Cada detalhe foi pensado para aliviar o estresse dos pais e tornar cada momento especial.

Como foi, passo a passo, o crescimento da cadeia hoteleira Martinhal?

CS – Depois do sucesso do Martinhal Sagres, em 2010, ficou claro para nós que havia uma grande demanda por experiências sofisticadas voltadas para famílias em outras regiões. Em 2015, transformamos as instalações abandonadas do antigo Monte da Quinta Club, na Quinta do Lago, no Martinhal Quinta. Em seguida, adquirimos um hotel na Quinta da Marinha, que após uma renovação completa, se tornou o Martinhal Cascais (que hoje já não está sob a operação Martinhal). E em 2016, nasceu o Martinhal Chiado, o primeiro hotel de luxo pensado para famílias no centro de uma grande cidade, um conceito pioneiro no mundo.

Mais recentemente, lançamos o Martinhal Lisbon Oriente, no Parque das Nações, que reúne hotel, residências com serviços e um novo conceito de viver bem em família. Neste projeto, e em outros, desenvolvemos também a ideia de branded residences, que oferece a possibilidade de morar com o mesmo padrão e filosofia Martinhal, unindo lifestyle, investimento e conveniência.

 

Em paralelo à nossa expansão na hotelaria, surgiu outro grande projeto: a United Lisbon International School, onde oferecemos uma educação internacional de excelência para crianças e adolescentes. A escola faz parte de um projeto ainda maior, o Edu Hub Lisboa — um campus urbano de inovação em educação, tecnologia e impacto social, que estamos desenvolvendo em fases. Acreditamos que a educação é um pilar essencial para transformar sociedades, e queremos contribuir com essa transformação de forma concreta, com qualidade e visão de futuro.

Ambientes do Martinhal Lisboa Oriente

Há planos de expandir os hotéis para outros países, além de Portugal? O Brasil pode ser um mercado interessante?

CS – Estamos muito focados em Portugal, mas acompanhamos com atenção oportunidades internacionais. O Brasil é um mercado que nos interessa bastante, especialmente porque muitos brasileiros já conhecem e valorizam o nosso conceito. Acredito que há grande potencial para futuras parcerias e investimentos envolvendo o público brasileiro.

A união de hotéis com residências é uma cartada à parte ou uma tendência que trará novos frutos ao grupo hoteleiro?

CS – Vejo como uma tendência com muito potencial de crescimento. A união entre hospitalidade e residências com serviços é uma extensão natural da nossa marca. As pessoas querem viver com o mesmo conforto, design, segurança e conveniência que experimentam durante uma estadia. O Martinhal Lisbon Oriente é um exemplo claro disso: uma integração harmoniosa entre lifestyle e investimento. E sim, acredito que trará muitos frutos para o grupo nos próximos anos.

Qual é a diferença entre morar em um residencial Martinhal e em outro condomínio de luxo?

CS – A principal diferença está na experiência. Morar num residence Martinhal é viver com a praticidade de um hotel cinco estrelas no dia a dia, com serviços como limpeza, segurança, recepção, manutenção e até room service disponíveis. Mas também é sobre comunidade, sobre sentir-se acolhido e fazer parte de algo com propósito. Projetamos cada detalhe pensando nas famílias e no equilíbrio entre funcionalidade e estética, com um foco genuíno em bem-estar.

Os residences são ótimos para morar, claro. Mas como funcionam para quem deseja apenas investir?

CS – Oferecemos um modelo de investimento muito atrativo: os investidores adquirem apartamentos ou vilas e podem optar por deixar o imóvel na operação hoteleira Martinhal. Assim, beneficiam-se da valorização imobiliária, de um retorno sobre o investimento e da confiança numa marca consolidada. É uma proposta de lifestyle com rentabilidade, um equilíbrio que temos desenvolvido com muito cuidado.

Portugal tem sido muito grato pela atuação da senhora. Como é a sua relação pessoal com o país?

CS – Portugal é, sem dúvida, o meu lar. Vim para cá com o Roman com a ideia de passar alguns anos e acabei construindo a minha vida aqui, tanto pessoal quanto profissional. Fui acolhida de braços abertos e sou muito grata por isso. O país tem uma energia especial, uma mistura de tradição e inovação, que nos inspira todos os dias.

Vista aérea do projeto Edu Hub Lisbon

Sua condição de mãe também influenciou os recentes investimentos do grupo em educação?

CS – Totalmente. Como mãe de quatro filhos, sempre estive muito atenta à educação que oferecíamos a eles — tanto em casa quanto na escola. Quando sentimos que Lisboa precisava de uma escola internacional com uma proposta mais alinhada ao século 21, decidimos criar a United Lisbon International School. Foi uma decisão pessoal e empreendedora ao mesmo tempo. A maternidade me deu clareza sobre o que realmente importa e sobre como podemos preparar as novas gerações para um mundo em constante transformação.

Qual é a filosofia dos investimentos em educação?

CS – Acreditamos numa educação centrada no aluno, que desenvolva pensamento crítico, criatividade, valores humanos e competências digitais. Queremos preparar crianças e jovens não apenas para as universidades, mas para a vida, para que sejam cidadãos conscientes, resilientes e com capacidade de inovar. No Edu Hub, reunimos educação, tecnologia e impacto social porque acreditamos que é da interseção dessas áreas que surgem as grandes transformações.

Como controlar o uso de celulares pelas crianças na escola e no dia a dia?

CS – Esse é um dos grandes desafios da paternidade moderna. Na escola, temos políticas claras sobre o uso responsável da tecnologia, com momentos de desconexão intencionais. Em casa, acredito no diálogo aberto, no exemplo e em ensinar as crianças a usarem a tecnologia como uma ferramenta, não como um vício. Não é fácil, mas é possível encontrar um equilíbrio com empatia, limites saudáveis e muita escuta.

Como vê o papel da educação para crianças no mundo de hoje? Quais são os maiores desafios?

CS – A educação é a chave para resolver muitos dos desafios globais que enfrentamos hoje, desde as mudanças climáticas até as desigualdades sociais. Mas, para isso, ela precisa evoluir. O maior desafio é acompanhar a velocidade das transformações do mundo sem perder a essência humana do processo educativo. Precisamos de escolas que ensinem não só conteúdos, mas também empatia, colaboração, adaptabilidade. É uma missão coletiva, de pais, professores, líderes e toda a sociedade.