Com conceitos inspirados na física quântica, Nei Calderon, advogado especializado em direito empresarial, busca humanizar a gestão das companhias e desintoxicar o ambiente de trabalho
Por Fabiano Mazzei
Retratos Germano Lüders
A saúde mental no ambiente de trabalho tem sido um dos temas mais debatidos no mundo corporativo nos últimos anos. A preocupação se justifica: no Brasil, por exemplo, o número de casos de afastamento do trabalho por incapacidade temporária em virtude dessa questão saltou de 201 mil registros em 2022 para 472 mil em 2024 — aumento de 134%, de acordo com um levantamento apresentado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), apresentado em abril deste ano.
Trata-se de um fenômeno global. Nos Estados Unidos, pesquisa recente com mais de mil pessoas, realizada pela empresa de tecnologia de dados Inmar Intelligence, detectou que 67% dos entrevistados afirmaram que a rotina de trabalho afetou de alguma forma a saúde mental.
Para o advogado Nei Calderon, sócio do escritório Rocha, Calderon Advogados Associados, a correlação entre a qualidade do ambiente laboral e o bem-estar emocional das pessoas pode ser explicada pela física quântica.
Na teoria científica, o comportamento e a grandeza das partículas — átomos, elétrons e moléculas — mudam a depender da interação entre si, gerando o chamado Princípio da Incerteza de Heisenberg: a impossibilidade de conhecermos com precisão a velocidade e posição de uma partícula neste contexto.
“A interação entre os diversos aspectos da vida — trabalho, família, questões pessoais — também gera comportamentos imprevisíveis, que podem afetar a saúde mental de funcionários e o desempenho da empresa”, afirma Calderon.
Nascido em São Paulo, com escritório desde 1995, doutor e pós-doutorando em direito empresarial e cidadania, pesquisador e estudioso nas áreas da responsabilidade social da empresa e direitos humanos, ele defende uma atuação mais ampla, atenta e complexa das lideranças organizacionais a fim de evitar prejuízo à dignidade do trabalhador, aos resultados das companhias e à sociedade.
O Estado brasileiro tem o mesmo entendimento. Desde maio deste ano, uma atualização da Norma Regulamentadora No. 1 (NR-1), criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), destaca que riscos psicossociais, como estresse, assédio e carga mental excessiva, devem ser identificados e gerenciados pelos empregadores.
Outro dado relevante é o enorme volume de pedidos de indenização por dano moral decorrente de assédio no emprego. Entre 2021 e 2024, foram 458.164 mil ações em todas as instâncias da Justiça do Trabalho no país.
Diante deste cenário, o advogado paulistano lançou o livro Gestão Humanista e Humanizada — Uma teoria quântica para enfrentamento do assédio no meio ambiente do trabalho, onde aborda a questão e orienta as empresas sobre como solucionar o problema.
THE PRESIDENT _ Entre 2021 e 2024, a Justiça do Trabalho do Brasil recebeu mais de 458 mil pedidos de indenizações relacionadas a assédio moral. O que está acontecendo dentro das corporações?
Nei Calderon – De fato, é recorrente encontrar ambientes de trabalho onde os colaboradores são diminuídos por seus superiores ou vivem em um local de divergência constante, onde o principal objetivo é a sobrevivência. Muitas vezes, a empresa não tem conhecimento disso porque está focada apenas em resultados. É preciso reconhecer que o funcionário é um patrimônio da companhia e deve ser respeitado, preservado e estimulado a ser mais capacitado. O princípio da dignidade humana é constitucional e deve ser protegido também no ambiente de trabalho. É um direito nato, espiritual até. Precisamos viver com mais prazer, fé e liberdade.
Que tipo de dano social e institucional esse tipo de ambiente de trabalho tóxico pode causar?
NC – Nossa vida é formada por campos de energia: trabalho, família, pessoal, entre outros. Quando você não tem um dia bom na empresa, correu o risco de perder o emprego, foi ameaçado ou sofreu discriminação, esse campo específico vibra negativamente e acaba por influenciar o ambiente familiar.
O relacionamento com a esposa ou marido, o convívio com os filhos, a disposição para cuidar da saúde, o lazer do final de semana, tudo acaba sendo afetado. Este entrelaçamento de diferentes campos energéticos acaba reverberando dentro do ser humano. Trato disso no meu livro. Busquei amparo na ciência exata para explicar o impacto que um ambiente de trabalho não harmônico pode causar na vida das pessoas. O contrário, aliás, também é verdadeiro: se a vida pessoal do funcionário estiver em desequilíbrio, isso também afeta o ambiente de trabalho. E quem sai prejudicada é a empresa, com perda de produtividade e do foco nos objetivos prioritários.
Qual é o propósito do livro?
NC – O livro é resultado de um trabalho de quatro anos e meio, com muito aprofundamento nos temas, análises, participações em congressos, seminários e que passou por avaliações criteriosas de bancas de qualificação.
Ele tem como propósito servir de base orientadora para esse novo olhar da gestão empresarial, que busca o resgate da dignidade humana no ambiente de trabalho, a partir da fé e da liberdade. O trabalho tem essa beleza de ajudar no aprimoramento humano, não só com a sobrevivência.
Falamos da responsabilidade social da empresa, trazendo cinco ou seis sugestões para que o Estado possa pensar em formas de ajudar as companhias a buscar e desenvolver um ambiente de trabalho saudável. E abordamos a gestão humanista e humanizada, que prioriza o olhar sobre o ser humano. Logicamente, é preciso ser competitivo como empresa e buscar seus objetivos no mercado, mas o valor humano não pode ser colocado em segundo plano.
Como os gestores e líderes podem antever sinais de desarmonia e agir para evitar esta contaminação no ambiente de trabalho?
NC – O filósofo e antropólogo francês Edgar Morin desenvolveu a teoria do pensamento complexo, que recorre à multiplicidade da vida para interpretar a realidade, onde tudo está interligado de maneira sistêmica. É uma visão oposta ao pensamento linear tão comum nas empresas, que restringe o olhar ao que acontece dentro da companhia para explicar o momento. Precisamos de lideranças que compreendam o entrelaçamento das perspectivas pessoais, familiares e profissionais, que resultam em comportamentos diversos dos trabalhadores.
O pensamento complexo sugere uma circularidade entre estes campos, gerando uma situação de causa-efeito-causa: a ação gera uma reação que promove uma nova ação, diferente do conceito tradicional de Isaac Newton.
Em sua trajetória profissional, quais casos práticos deste efeito contínuo você pode presenciar?
NC – No início dos anos 2000, uma funcionária de um banco na cidade de São Paulo, casada e com dois filhos, tirou a própria vida ao sair do trabalho. O inquérito instaurado trouxe depoimentos sobre como era a rotina no banco, com um nível excessivo de cobrança por resultado.
Veja, talvez até a pessoa já tivesse esse caráter de desequilíbrio, mas decerto o ambiente de trabalho aprofundou o problema e não houve nenhuma liderança na empresa que tenha percebido isso e conduzido a situação com a complexidade exigida.
O que aconteceu em decorrência do ato? O marido entrou em desequilíbrio, parou de trabalhar e perdeu a guarda dos filhos. O pai da vítima entrou em depressão e faleceu poucos anos depois. Uma das colegas de trabalho pediu demissão por não conseguir mais frequentar o banco. A própria empresa precisou custear o estudo dos filhos da ex-funcionária até os seus 18 anos. E o Estado, por meio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), precisou indenizar a família. Ao final, o prejuízo foi primeiramente da família, mas também da empresa e da sociedade.
A recente atualização da Norma Regulamentadora No. 1, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cobra responsabilidade das empresas sobre este assunto. Concorda?
NC – Sim. É por ignorar a questão que temos essa enorme quantidade de ações indenizatórias que as empresas não precisariam sofrer. É essencial mudar o campo vibratório no ambiente de trabalho, tornando-o um lugar de dignidade e respeito, com uma política de reconhecimento que ofereça cursos e apoio para o desenvolvimento profissional e pessoal.
Hoje tem empresa com “Departamento de Felicidade”, preocupada com a saúde mental dos seus empregados. Ao zelar pelo bom ambiente de trabalho, você colabora com essa harmonia entre os campos energéticos que estão entrelaçados e interferem entre si
A função do compliance muda neste contexto?
NC – Sem dúvida, o compliance não pode mais servir apenas para checagem da conformidade técnica do trabalho realizado, mas também a conformidade do relacionamento humano dentro das companhias. É preciso ir além do caráter punitivo para um papel de orientador e promotor do bem-estar.
O papel da nova liderança empresarial é buscar esse pensamento mais complexo e sistêmico para ampliar o seu horizonte de observação do que acontece na organização. É compreender e agir para um funcionamento harmônico de todo o ecossistema, não se limitar ao acompanhamento individualizado de cada setor.
A competitividade interna não será mais bem vista dentro das organizações?
NC – Veja, já conheci empresas nas quais as áreas comercial, compras, financeira e jurídica eram adversárias entre si. Uma disputa interna muito grande era alimentada pela própria liderança, pensando em estimular a competição para elevar a performance.
Isso é o sinônimo do atraso quando se fala em gestão empresarial mais moderna. A companhia pode até potencializar resultados, mas terá grande demanda com ações trabalhistas e indenizações. Enfim, um prejuízo certo, com efeitos muito nocivos nas pessoas: depressão, estresse, síndrome do pânico, o que impacta diretamente na produtividade dos colaboradores e, no fim do dia, nos ganhos da empresa.
Quando a liderança compreende isso e passa a uma gestão humanista e humanizada, priorizando o respeito, a ética, o calor humano, você muda a vibração do ambiente. Isso faz com que as pessoas tenham vontade de estar ali. Mais gratas, elas com certeza vão trabalhar para o melhor resultado.
Como o escritório Rocha, Calderon Advogados Associados está preparado para ajudar as empresas nesta jornada de humanização da gestão?
NC – Nós criamos o Núcleo de Assistência e Consultoria Jurídico-Empresarial Prime, um serviço que oferecemos aos nossos clientes, onde disponibilizamos uma força-tarefa de profissionais de larga experiência em suas áreas de atuação para organizar a companhia no aspecto jurídico, fiscal, tributário e administrativo, visando preparar o ambiente de trabalho para a gestão humanizada.
Como esta força-tarefa pode intervir na prática?
NC – Podemos propor mudanças nos setores, indicar profissionais, acompanhar a gestão e o cumprimento do estatuto interno, apresentar metodologias de trabalho que possam agregar na busca pelo objetivo. Podemos ir muito além da questão jurídica da empresa, oferecendo toda a estrutura do escritório e o know-how adquirido nestes 30 anos atuando no direito empresarial a serviço da correção da rota da empresa.
Quando você começa a unir os setores da empresa, muda a vibração e cria uma sintonia entre as pessoas. Em um ambiente bom, harmônico e saudável, as coisas ruins não têm espaço.
E quanto à responsabilidade social, quais ações o escritório tem desenvolvido?
NC – Esta sempre foi uma preocupação genuína tanto minha, quanto do meu sócio Marcelo Rocha, em oferecer contrapartidas sociais do nosso trabalho. Em 2004, criamos o Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Ciências Políticas e Jurídicas (IPOJUR), um espaço educacional com cursos e palestras para o aprimoramento profissional dos advogados e contatos corporativos. Um trabalho técnico e atualizado, dividido em grupos temáticos como Direito Internacional, Direito do Trabalho, Direito do Agronegócio, Ciências Políticas e Relações Internacionais.
O escritório tem esse perfil, os sócios e coordenadores estão sempre estudando e criamos esta metodologia para estimular nossos associados e colaboradores a buscar conhecimento e se manterem atualizados. Depois, levamos a ideia ao mercado, trouxemos muitos mestres e especialistas de áreas além da jurídica para agregar mais valor à iniciativa, para dar de fato um suporte às empresas e gerar um aprendizado coletivo.
Também fizemos um trabalho social, semanalmente, durante cinco anos na comunidade de Heliópolis, com o auxílio de um pastor local. Foi um trabalho de consultoria jurídica para os moradores em diversas áreas do Direito. Foram histórias comoventes que presenciamos na comunidade, mas esta era a nossa missão. O Marcelo Rocha também desenvolve um trabalho social muito importante junto à Escola de Samba da Vila Maria, com ênfase em educação. Levar isso para a sociedade é uma responsabilidade social do escritório e seguiremos investindo nisso.
E a iniciativa de revitalização do Centro de São Paulo?
NC – É verdade. Criamos a MoveCentroSP, em 2023, motivados pela crescente precariedade da região central de São Paulo. Percebemos que era necessário agir de forma articulada, e, junto a outros empresários comprometidos com a cidade, decidimos formar uma associação voltada à transformação urbana e à valorização do espaço público. Depois disso, temos atuado ativamente na revitalização do Centro, desenvolvendo ações voltadas à segurança, à cultura, ao turismo e à gastronomia. Nosso objetivo é integrar forças entre o setor privado e a sociedade civil para resgatar o potencial histórico, econômico e simbólico do Centro paulistano.
Mais do que representar os empresários da região, a Move CentroSP nasceu com o propósito de gerar impacto social real. Temos promovido atividades culturais, impulsionado o comércio local e contribuído para transformar o Centro em um lugar mais seguro, vibrante e acolhedor para quem vive, trabalha ou visita a região.