O mercado imobiliário brasileiro vive um paradoxo curioso. Ao mesmo tempo em que o número de lançamentos segue em franca expansão, especialmente nas grandes cidades, a saturação de empreendimentos genéricos expõe um novo dilema: volume não significa valor
Por Amélia Whitaker
Dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) apontam que, em São Paulo, o segmento de médio e alto padrão registrou, no primeiro quadrimestre de 2025, um crescimento expressivo de 112% no Valor Geral de Vendas (VGV) em relação ao ano anterior, além de uma alta de 40% nos lançamentos. Enquanto isso, os chamados “apartamentos de prateleira”, compactos, repetitivos e com pouca diferenciação, começam a dar sinais de esgotamento.
O desgaste do produto genérico
A lógica de apostar em empreendimentos com centenas de unidades, metragens reduzidas e acabamentos simplificados pode ser atraente no curto prazo. Mas o efeito, no médio e longo prazo, é outro: queda na atratividade, liquidez comprometida e um potencial de valorização limitado. “O que parece acessível no início pode gerar perda de valor com o tempo. A alta densidade, os acabamentos simplificados e a pouca diferenciação desses produtos comprometem a experiência de moradia e afetam a percepção de valor do ativo”, analisa Jorge Cury, CEO da UMÃ Incorporadora.
Além disso, novas modalidades de exploração, como o aluguel por temporada, também carregam riscos. Embora rentáveis em alguns momentos, estão mais sujeitos à instabilidade regulatória e à oscilação da demanda turística.
A força da exclusividade
Na contramão dessa lógica, empreendimentos de alto padrão mantêm estabilidade e rentabilidade mais consistentes. O segredo está na menor densidade, na localização estratégica e na arquitetura autoral. Projetos erguidos em regiões já consolidadas, com pouca disponibilidade de terrenos, criam um efeito direto: o preço por metro quadrado não apenas resiste, como tende a se valorizar mesmo em períodos de retração.
Para Cury, exclusividade é o ativo mais valioso. “Quando o imóvel é único, ele não compete por preço. Ele cria valor por escassez, por desejo e por permanência”, ressalta.
Venda como curadoria
Outro diferencial está no modelo de comercialização. Enquanto empreendimentos genéricos são empurrados ao mercado em ritmo de massa, projetos mais restritos operam como uma espécie de curadoria, com venda controlada, ticket médio elevado e menor exposição ao risco. O comprador, nesse caso, não busca apenas um teto. Busca um símbolo de permanência, pertencimento e segurança patrimonial.
Mudança de mentalidade
A ascensão do segmento de alto padrão aponta para um reposicionamento do investimento imobiliário. Mais do que perseguir rentabilidade rápida, o olhar do investidor e do consumidor de alto poder aquisitivo se desloca para atributos intangíveis: exclusividade, escassez, durabilidade.
Em um mercado onde o excesso ameaça diluir valor, a escassez volta a ser luxo.