Carros elétricos e híbridos podem, enfim, chegar ao posto de protagonistas?
Por Marcio Ishikawa
A primeira geração do Prius, híbrido lançado pela Toyota em 1997, deixou o mundo boquiaberto com o seu baixo consumo. Pouco mais de uma década depois, o Tesla Roadster vinha ao mundo, fazendo brilhar os olhos de muita gente em 2008, com seu rodar silencioso e zero emissão de poluentes.
Hoje, ninguém mais se surpreende com os carros eletrificados — os modelos 100% elétricos e os híbridos estão integrados ao ecossistema da mobilidade, ainda dominado pelo motor a combustão. Da mesma forma, estações de carregamento já passam batidas na paisagem urbana, sem despertar curiosidade.
Frente a esse cenário, será que já podemos afirmar que o futuro será elétrico? Certamente a resposta não é direta, muito menos simples. Por isso, THE PRESIDENT conversou com especialistas para entender o cenário atual, no Brasil e no mundo, e saber quais são as projeções para os próximos anos.
Panorama atual
Em 2024, as vendas globais de carros eletrificados atingiram 17 milhões de unidades, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Para 2025, o Electric Vehicle Outlook (EVO), relatório anual publicado pela BloombergNEF, prevê crescimento de 25%, chegando a 22 milhões. “A eletrificação veio com força em nível global, não vejo uma montadora desenvolvendo novos projetos sem algum tipo de eletrificação”, afirma Milad Kalume Neto, da K.LUME Consultoria Automobilística.
Mesmo com o recente recuo em relação à meta de vender só carros 100% elétricos, por parte de países e de montadoras, a tendência continua. Segundo o consultor, foi uma acomodação de mercado devido a vários fatores. “Houve uma certa resistência do consumidor, altos investimentos com baixo retorno e competição acirrada. Sem esquecer o fim de incentivos fiscais na Europa e nos Estados Unidos.”
Foi o que aconteceu, por exemplo, com a estratégia global da Volvo, que chegou a anunciar planos de vender só carros 100% elétricos a partir de 2030. “O avanço lento da infraestrutura de recarga e as altas tarifas sobre veículos elétricos nos fizeram repensar a estratégia”, explica Marcelo Godoy, CEO da Volvo Car Brasil. “Nossa gama será eletrificada, com 100% elétricos, híbridos e híbridos leves, para atender às diferentes necessidades dos consumidores e realidades distintas.”
Já a Lexus, como o grupo Toyota do qual faz parte, sempre teve uma aproximação mais cautelosa. “Planejamos um futuro de eletrificação diversificada, com soluções que atendam a diferentes necessidades e contextos”, afirma Nancy Serapião, head da Lexus no Brasil. “Reforçando nosso papel de vitrine de tecnologias da Toyota, teremos modelos 100% elétricos.”
O motor chinês
Segundo Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a China é um caso à parte. Além de incentivos ao consumidor, houve investimento maciço em tecnologia. “Um programa de desenvolvimento de veículos, lançado há 15 anos, melhorou a qualidade dos carros em geral e criou vários centros de pesquisa e desenvolvimento.” Isso levou a China a uma posição estratégica, que a coloca como o grande motor da eletrificação. Este ano, pela primeira vez na história, mais da metade da produção chinesa será de carros eletrificados.
Tal cenário transformou a China no maior exportador de veículos eletrificados. A BloombergNEF aponta que países receptivos às marcas chinesas, como Brasil, Austrália, Tailândia e Turquia, têm um forte crescimento. Por aqui, segundo a ABVE, foram mais de 177 mil eletrificados emplacados em 2024, com destaque para BYD e GWM, com 43,3% e 16,5% do share, no topo da tabela. As duas marcas terão produção nacional muito em breve, com suas plantas iniciando a atividade ainda em 2025.
Para Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD do Brasil, a eletrificação é uma oportunidade para o país. “Para transformar essa oportunidade em protagonismo, o Brasil precisa acelerar a produção local. A eletrificação também impulsiona a inovação.” Bastos, da ABVE, faz reflexão semelhante. “O Brasil pode se tornar um polo exportador, primeiro para a América do Sul, em seguida para toda a América Latina e, dependendo de acordos comerciais, como o do Mercosul com a Europa, para mercados mais tradicionais”, afirma.
A exportação está, inclusive, nos planos da GWM. “A gente quer chegar a 60% de nacionalização em três anos. Assim, ficaremos aptos a exportar para toda a América do Sul”, afirma Diogo Fernandes, COO da GWM do Brasil. “Mas principalmente essa parte mais tecnológica, como a bateria e o conjunto híbrido, dependerá da capacidade dos fornecedores.”
Bastos, da ABVE, ainda acredita que o Brasil tem potencial para se tornar fabricante de baterias — primeiro realizando a montagem com células vindas de fora, para depois produzir também essas células. “Seria o cenário ideal, uma vez que utilizaríamos o lítio e todos os demais minerais necessários que temos aqui”, afirma.
O frisson em torno dos 100% elétricos arrefeceu, mas isso não significa que ficarão em segundo plano. “Eles continuam sendo uma ótima solução urbana, ideal para o transporte público, no last mile das entregas de mercadorias, além de taxistas e motoristas de aplicativo”, reflete Kalume Neto.
Híbridos em foco
Com relação aos automóveis em geral, os híbridos ganham força nesse primeiro momento. Além do híbrido tradicional (motor a combustão recarrega a bateria), temos o híbrido leve (sistema elétrico com bateria menor auxilia o motor a combustão); o híbrido plug-in (recarregável na tomada), e o híbrido de autonomia estendida (motor a combustão funciona só como gerador). Cada solução se adequa a diferentes cenários.
Isso é importante porque, no fim das contas, a motivação para a eletrificação veio de uma necessidade maior: a crise climática global. Ainda que não zere emissões, o híbrido as reduz consideravelmente. “A transição energética não é mais uma tendência, é uma urgência global. Veículos eletrificados reduzem emissões e melhoram a qualidade do ar nas cidades”, afirma Baldy, da BYD.
O Brasil tem vantagens competitivas, considerando esse aspecto ambiental, com uma matriz energética limpa, em que o etanol aparece como destaque. “É quase uma exclusividade brasileira e sua combinação com a eletrificação, nas diferentes modalidades de híbrido, é uma das soluções mais eficientes e sustentáveis”, afirma Fernandes, da GWM. As duas marcas, por sinal, estão desenvolvendo a tecnologia híbrida flex para os seus carros que serão produzidos no Brasil.
Há pedras no caminho, como a infraestrutura de carregamento, indo além da vontade para se criar uma rede. “Há locais em que há pouca energia entregue pela distribuidora, onde o carregador simplesmente não funcionaria”, revela Godoy, da Volvo, que vem investindo na instalação de uma rede para interligar as principais cidades brasileiras. Há, ainda, prédios em que adequar as instalações elétricas é praticamente impossível.
Já a head da Lexus, destaca um certo desconhecimento a respeito dos eletrificados. “Percebemos que, para o consumidor, há uma lacuna no que diz respeito aos benefícios da eletrificação”, afirma Nancy Serapião. “Por isso, buscamos ir além do produto e investimos em reforçar a experiência para uma compra qualificada e em um pós-venda que consiga transmitir segurança.”
Mesmo com essas e outras dificuldades, é praticamente um consenso que sim, o futuro é eletrificado. Ele deve passar primeiro pelo híbrido e suas variantes, permitindo, por exemplo, uma mudança de mindset do consumidor, novas tecnologias e economia de escala na produção. Tudo para, futuramente, chegar à eletrificação pura.