The President

motor

Mais que um museu

motor

Mais que um museu

O CARDE, em Campos do Jordão, oferece uma bela coleção de carros. Mas vai além dessa mostra

Por Paulo Manzano

Inaugurado em novembro de 2024 em Campos do Jordão (SP), a 174 quilômetros de São Paulo, o CARDE ocupa um prédio cercado por araucárias e combina carros, arte, design e educação em uma narrativa imersiva. Com cenografia e interatividade de padrão internacional, usa cerca de 100 veículos em exposição rotativa para mostrar como cada automóvel ilumina facetas da cultura brasileira ao longo do século 20.

O nome do museu já entrega uma pista sobre o que o visitante vai encontrar. O CARDE (Carro, Arte, Design, Educação) cintila entre as coleções de carros mais sensacionais que já visitei nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, e seu acervo e instalações estão no mesmo nível dos melhores do mundo. Mas talvez supere muitos museus de alto padrão porque vai muito além dos carros.

Para começar, faz parte da Fundação Lia Maria Aguiar, criada pela empresária em 2008 para ampliar oportunidades de crianças e jovens de Campos do Jordão, promovendo educação, arte, cultura, bem-estar e saúde de forma independente e sem fins lucrativos. Essa vocação social aparece em cada corredor.

O Uirapuru sobre o cajueiro e o incrível Tucker Torpedo logo na entrada causam um grande impacto

Os visitantes são guiados por jovens formados pela própria fundação. Estudantes de teatro, vestidos conforme as décadas retratadas, dão vida aos cenários. A tecnologia que fascina os entusiastas funciona também como sala de aula, pois esses monitores recebem treinamento profissional em áudio, vídeo e informática. Fiquei impressionado com a qualidade e a riqueza de detalhes das explicações e, sobretudo, com o brilho de orgulho nos olhos do jovem que me acompanhou.

Ao lado do prédio principal funciona um centro de referência e pesquisa dedicado a automóvel, design e história do Brasil, com biblioteca aberta a escolas e pesquisadores. No mesmo terreno opera a Escola de Restauro, pioneira no país. A turma inaugural, formada por 25 jovens jordanenses, restaurou um Ford T 1923 que agora ocupa lugar de honra no salão. O curso aborda mecânica, funilaria, pintura, tapeçaria, elétrica e até inglês técnico, preparando profissionais para um mercado carente de mão de obra qualificada.

A sala que homenageia o Gurgel
Espaço da Era Vargas
Os clássicos modernos do piso superior
Os Willys Interlagos de competição

Curadoria refinada

A curadoria do CARDE é um trabalho multidisciplinar que garante originalidade e contexto histórico a cada peça. Luiz Goshima coordena uma equipe de 15 historiadores liderados por Heloisa Murgel Starling, enquanto Felipe Scovino responde pela arte, Carlos Castilho pesquisa design automotivo do século 20 e João Pedro Gazineu organiza a narrativa dos veículos. O resultado é uma mostra rotativa de carros escolhidos entre mais de 500 exemplares, dialogando com obras de Portinari, Di Cavalcanti, a coleção afro-brasileira de Emanoel Araújo e criações de artistas indígenas para tornar acessíveis patrimônio, diversidade cultural e memória nacional.

Os ambientes seguem uma lógica imersiva dividida por décadas, do início dos anos 1900 até o final dos anos 1990. Cada sala combina cenografia teatral, painéis de LED em alta definição e som 5.1 para transportar o visitante para dentro de cada período. Entre os núcleos estão Carros Governamentais, História do Automobilismo Brasileiro e Visionários Brasileiros, onde o legado de João do Amaral Gurgel inspira quem admira ousadia criativa.

A jornada começa antes da primeira sala, em uma câmara de descompressão que convida a deixar o olhar apressado lá fora. No saguão, um Brasinca Uirapuru 1964 ergue-se sobre um cajueiro metálico, com a carroceria coberta por pintura indígena e folhagens de crochê tecidas por 200 artesãs do Instituto Proeza.

O luxuoso Duesenberg Model J 1930
Ícones nacionais
O McLaren Senna customizado
Lanchonete com carros pendurados na parede

Nas salas seguintes, joias crioulas dos séculos 18 e 19 dialogam com esculturas de Franz Krajcberg, gravuras de Vik Muniz e quadros de Cândido Portinari. Entre os carros que contam história estão o Isotta Fraschini 1925, presente de Henrique Lage para Gabriella Besanzoni, e o Lincoln K 1938 que transportou Getúlio Vargas, Charles de Gaulle, rainha Elizabeth II e João Paulo II. Na ala de competição brilham três modelos originais da equipe Willys, prova da força do automobilismo nacional nos anos 1960.

No primeiro andar, a mostra O Design e a Evolução da Forma aprofunda o tema. Uma sala de hologramas permite examinar em escala real linhas e soluções aerodinâmicas, enquanto totens interativos relacionam carrocerias a correntes de arte, arquitetura e moda de suas décadas. Uma jardineira típica de Campos do Jordão repousa diante de um painel gigante de LED com depoimentos de moradores, reforçando o elo entre o museu e a cidade que o abriga.

Encerro este relato com um convite sincero: o CARDE é um programa excelente para toda a família e, na minha opinião, imperdível. Há também um ótimo restaurante no museu, o que permite passar o dia inteiro lá. Não vejo a hora de voltar: uma única visita não basta para examinar cada detalhe e absorver tudo o que é mostrado. Por fim, o ingresso ainda apoia a Fundação, reforçando um propósito maior.

CARDE

Rua Benedito Olímpio Miranda, 280, Alto da Boa Vista, (12) 3512-3547, Campos do Jordão, São Paulo, SP

carde.org 

@carde.museu