Rafael Tortola, CEO da GTF, conta como a empresa se tornou a sexta maior avícola do país, sem abrir mão do total controle familiar
Por Luiz Maciel
O CEO da GTF, Rafael Tortola, ainda não era nascido em 1992, quando seu pai Ciliomar Tortola, o Cilinho, deixou uma carreira em ascensão no antigo banco Bamerindus, sediado no Paraná, para investir em uma granja com os sócios José Borges e Rogério Gonçalves — que pouco tempo depois viriam a ser seu sogro e cunhado.
Era uma granja de boa produção, que abatia mil franguinhos por dia, e poderia continuar assim até hoje, como tantas outras da região Sul do Brasil. Mas os três sócios não estavam para brincadeira. Com muito apetite pelo trabalho, um faro apurado para descobrir boas oportunidades de negócio, além de uma boa dose de ousadia, o empreendimento passou a crescer em ritmo acelerado até se transformar no que é hoje — um gigante do setor avícola e de outros segmentos alimentícios, que deve fechar o ano com R$ 4,5 bilhões de faturamento e uma carteira de mais de 80 clientes no exterior.
Em 2018, quando os fundadores decidiram passar o bastão de comando para alguém mais jovem e com mais gás, contrataram uma consultoria para selecionar o executivo ideal. Além de alguns profissionais experimentados do mercado, incluíram também um candidato de apenas 24 anos, mas que, apesar da juventude, conhecia como ninguém aquele conjunto de empresas. Afinal, desde muito cedo Rafael acompanhava os passos de Cilinho, seu pai, percorrendo cada unidade para estimular os funcionários e corrigir um processo ou outro. Rafael foi escolhido como o novo presidente por ter seus valores alinhados com os da empresa, e deu conta do recado. Entre outros avanços, a empresa se profissionalizou significativamente, conseguindo dobrar o faturamento do grupo em sete anos de gestão.
THE PRESIDENT _ Como foi o início da GTF?
Rafael Tortola – A empresa foi fundada em 1992 por meu pai, meu tio e meu avô. Os três tinham granjas pequenas e decidiram se juntar para ter um negócio maior em sociedade. Então venderam o que tinham e compraram uma granja já de porte médio em Maringá (PR). Deram o nome de Frangos Canção à companhia, que foi crescendo e agregando outras atividades, virou GTFoods e agora em 2025 passou por um rebranding se tornando GTF, proprietária das marcas Canção, frango e tilápia, e Lorenz, maior esmagadora de mandioca do Brasil.
Sempre foi um negócio familiar, então.
RF – Passou a ser logo depois, quando meu pai se casou com minha mãe e os dois sócios dele viraram cunhado e sogro. Eu nasci dentro da empresa e desde muito pequeno acompanhava meu pai no trabalho. Aos 16 anos, quando terminei o colégio e entrei para a faculdade de administração de empresas, fiquei responsável por tocar algumas propriedades rurais do grupo. Àquela altura já tínhamos fazendas de gado e postos de gasolina, mas o principal negócio sempre foi o frango. Com 18 anos, assumi a logística da empresa, que contava com uns 300 caminhões. Depois passei pelo PCP [Planejamento e Controle da Produção] e pela área de suprimentos. Em toda essa trajetória me mantive muito próximo do meu pai e do meu tio.
Você virou CEO da GTF em 2018, quando tinha apenas 24 anos. Foi uma escolha natural?
RF – Na época, tanto meu pai quanto meu tio, que comandavam os negócios, acharam que estava na hora de implantar uma nova governança na empresa, com executivos profissionais. Então eles passaram a compor o Conselho de Administração e contrataram uma consultoria para ajudar na escolha dos novos administradores. Eu era um candidato natural à presidência, porque conhecia a fundo as empresas do grupo, mas não fui indicado direto. Participei da seleção da mesma forma que os demais candidatos, que eram o nosso CFO [Chief Financial Officer] e outros executivos de fora. O fato de encarnar como ninguém nossos valores empresariais foram decisivos para que eu fosse escolhido, mas o processo de sucessão foi conduzido com critérios estritamente profissionais — até porque o grupo estava se reerguendo depois de passar por uma dificuldade em 2016, quando pediu recuperação judicial.
A que se deveu essa dificuldade?
RF – Estávamos investindo muito forte e fomos pegos de surpresa por uma crise de crédito que nos deixou sem capital de giro. Os bancos deixaram de renovar nossos financiamentos e precisávamos de um fôlego até que os novos investimentos dessem retorno. Além disso, o milho, que é um dos principais insumos da avicultura, dobrou de preço. Ou seja: foi uma tempestade perfeita. Mas conseguimos aprovar o plano de recuperação em 2017 e no início de 2018 já estávamos estruturando a nova governança corporativa. Pagamos os credores sem descontos, só com a repactuação dos prazos de pagamento das dívidas, e saímos da recuperação em 2020. Hoje temos seis diretorias, ocupadas por executivos profissionais, e mais de 60 gerências.
“Eu era candidato natural à presidência da empresa, mas participei da seleção junto com outros candidatos. Com critérios de seleção estritamente profissionais”.
Qual era o tamanho do grupo em 2018 e qual é hoje?
RT – Faturávamos R$ 2 bilhões por ano naquela época e fechamos no ano passado com R$ 4,1 bilhões. Nossa meta é chegar a R$ 5 bilhões até o fim de 2026. Nós operávamos com um financiamento sete vezes maior que o nosso capital em 2018, e hoje temos uma dívida líquida negativa, com alavancagem zero. O número de funcionários era de 8 mil e pouco e hoje está na casa de 10 mil. Avançamos muito também na transparência da movimentação financeira. Para se ter uma ideia, no meio de semana já sabemos exatamente qual foi o resultado do grupo no final da semana anterior, em todas as áreas. Outra decisão que tomamos foi sair de alguns negócios periféricos, como postos de gasolina e a indústria de conservas, para focar nas atividades principais, que são o frango, os derivados de mandioca e a criação de tilápias.
Quanto a produção de frango representa no faturamento da GTF?
RT – Cerca de 85%. Os subprodutos de mandioca respondem por 10% e as tilápias pelos restantes 5%. Somos a sexta maior avícola do Brasil em volume de abates, com cerca de 650 mil frangos por dia. Nossos frangos alimentam cerca de 5% da população brasileira — e poderiam alimentar até 8%, se não exportássemos boa parte deles.
Comercializamos ainda uma série de produtos diversos, como vegetais congelados, lasanha e batata frita.
RT – Também somos a maior esmagadora de mandioca do país, produzindo uma série de ingredientes usados pelas indústrias de alimentos e não alimentícias, como as de papel e cosméticos. Nossos amidos modificados dão consistência e textura a chocolates e bebidas, deixam os amendoins de pacote mais crocantes e evitam que os sorvetes se transformem em bolas de gelo, por exemplo. A mandioca é uma matéria-prima utilizada na produção de GMO (Genetically Modified Organism) — Organismo Geneticamente Modificado — e também na forma de amidos pré-gelatinizados, usados como redutores de filtrado no mercado de petróleo. Esse tipo de pré-gel, por exemplo, auxilia até na extração de petróleo no mar.
A tendência é manter a produção avícola na proporção atual ou reduzir em favor dos outros negócios?
RT – A tendência é que a produção de frangos continue crescendo, mas num ritmo menor do que os outros segmentos do grupo. Nossa ideia é que os frangos representem cerca de 60% do faturamento daqui a dez anos, e os outros 40% sejam divididos entre os subprodutos de mandioca e as tilápias.
E como é a divisão das vendas nos mercados interno e externo?
RT – As exportações representaram 25% do nosso faturamento no ano passado, mas estão em pleno crescimento e devem chegar a uma participação de 35% nas vendas totais deste ano. Acredito que a tendência é continuarem subindo até atingir um patamar de 50%, que consideramos ideal, empatando com as vendas no mercado interno. Já exportamos para mais de 80 países. Nossa meta é dobrar o volume de abate nos próximos dez anos.
O que explica esse crescimento tão acelerado?
RT – A razão principal foi sempre investir todo o capital disponível dentro do próprio negócio, buscando oportunidades de aumentar a produção com a aquisição de outras empresas. Acho que é por isso que temos crescido mais do que a média de nossos concorrentes.
O fato de ser uma empresa familiar foi importante para obter esse resultado?
RT – Sim e não. Se você pegar os resultados dos últimos anos da JBS, que é a gigante do nosso setor, a empresa que mais cresceu foi ela. Mas se compararmos a GTF com outros grupos familiares, estamos na frente, porque nunca deixamos de reinvestir tudo que era possível no próprio negócio. E vamos continuar assim nos próximos dez anos, adquirindo novas empresas, verticalizando processos e, principalmente, crescendo organicamente nas nossas unidades. Eu acho que um dos principais diferenciais do nosso negócio é que a sociedade não tem ruptura nenhuma. Nós somos extremamente alinhados, não temos problema nenhum de sociedade. Acho que isso nos coloca num nível mais alto em termos de governança, processos e compliance. Eu gosto muito de empresa familiar tocada por dono, desde que ele entenda que está nessa condição para servir a empresa, que é soberana.
A mandioca ainda pode render novos subprodutos?
RT – Sem dúvida. O lançamento de novos produtos não é um processo simples, pois depende de homologações e do desenvolvimento tecnológico, o que pode levar mais de dois anos. Depois disso, porém, mantendo os níveis de excelência exigidos, é um novo mercado que se abre. Muitas vezes, as soluções vêm dos nossos clientes, que precisam de produtos para aplicações específicas. Então, acionamos o nosso time de P&D [Produto e Desenvolvimento] para iniciar os estudos e buscar soluções. A nossa bagagem de pesquisa vem da Lorenz, que foi a primeira fecularia da América Latina, criada há mais de cem anos. Nós compramos a empresa quando ela virou massa falida, mas ainda detinha todo o conhecimento científico para o desenvolvimento de produtos. Estamos criando o que transforma, aplicando gestão para inovar e gerar resultados.
Como uma empresa centenária e bem conceituada vira massa falida?
RT – No Brasil é preciso reagir rápido às mudanças na economia, e nem todos fazem isso. Por isso, nossa estratégia principal foi adquirir empresas com baixo posicionamento de mercado e margem negativa. Nenhum negócio sobrevive no Brasil com uma taxa de juros de 15% sem ser sustentável e ganhar escala industrial para diminuir a inflação anual. Se você não cresce, o mercado te engole.
Você estudou administração, mas isso não basta para manter um grupo empresarial com uma taxa de crescimento tão alta. Você teve mentores?
RT – Meus dois grandes mentores foram meu pai e meu tio. Foram eles que pegaram um negócio que saiu do zero para um faturamento de R$ 2 bilhões por ano, sem ter cursado nenhuma faculdade. Eu procurei manter essa mesma pegada, sempre com muita humildade para aprender e agregar o time aos nossos valores. Meu pai, nesse processo de sucessão, foi exemplar. Soube a hora de sair e dar a mim e ao meu primo Vinícius Gonçalves, que é o vice-presidente do grupo, não só responsabilidades, mas também apoio e autonomia. As pessoas entenderam que eu não sou meu pai, e está tudo bem. Ele me deu condição de trabalhar ao lado de gerentes top, com 20, 30, 40 anos de experiência. Uma frase que meu pai sempre cita é: “Feliz de um velho que tem um jovem ao lado e feliz do jovem que tem um velho para trazer experiência”. Um grande segredo do nosso negócio é essa complementaridade. Eu e o Vinícius, por exemplo, somos complementares. Eu sou um cara muito mais dinâmico, para tocar a operação. O Vinícius já é mais analítico, mais adaptado ao mundo financeiro. Esse equilíbrio é a riqueza do nosso negócio. Não adianta um cara mais introvertido e analítico querer tocar o comercial. Como não adianta eu, que sou um cara que tem dificuldade para ler um contrato, querer tocar o jurídico e o financeiro. Vai dar errado e eu falo isso dando risada mesmo, porque se tentasse, ia dar errado de fato (risos).
A GTF passou a dar o 14º salário aos funcionários no ano passado. Resultou em aumento de produtividade?
Sem dúvida, estamos muito satisfeitos com o resultado. Como é um benefício atrelado ao cumprimento de metas, todos se mostram mais engajados em produzir mais e reduzir as perdas. Percebemos isso até nas zeladoras que estão gastando menos produtos de limpeza. Levamos 32 anos para instituir esse salário extra, porque não é fácil, ele precisa ser compensado de alguma forma.
Qual foi a meta alcançada?
No ano passado foi o faturamento de R$ 4 bilhões, neste ano a meta é bater os R$ 4,5 bilhões e no ano que vem chegar a R$ 5 bilhões. O mais legal é que o time todo acompanha o desempenho do grupo, quer saber quanto as vendas alcançaram no final de cada mês. E se as metas deste ano e do ano que vem forem alcançadas, nosso compromisso é dar um 15º salário no final de 2026. Meritocracia total. E vou falar, isso levou nossa empresa para outro nível de envolvimento das pessoas, sabe?
Como você administra o tempo num dia típico de trabalho?
Ah, é uma loucura. Costumo acordar às 4h50 e faço duas horas de academia. Como estou a cinco minutos da empresa, chego no escritório umas 8h10 e vou até as 19h30, mais ou menos. Tem dias que eu estico mais um pouco, em outros consigo chegar em casa às 18h. E vou dormir antes das 23h, seis horas de sono são o bastante para mim. Nos fins de semana saio para nadar, correr ou pedalar, que são as provas que fazem parte do triatlo, ou cavalgar na companhia da Ana Flávia, minha esposa. Eu gosto de laçar também.
Foi sempre assim?
Nada! Comecei em setembro do ano passado, porque precisava mesmo ficar mais saudável. Eu estava pesando 108 quilos, tinha 34% de taxa de gordura e andava muito estressado, trabalhando 12 horas por dia e fazendo muitas viagens. Estava prestes a ficar hipertenso e diabético. Então fiz uma programação rigorosa, com a ajuda de dois profissionais, um para me orientar na academia e outro para me preparar para o triatlo, e hoje estou com 80 quilos, 14% de gordura e muita disposição para trabalhar. Já participei de uma prova de meio Iron Man e vou fazer mais duas até o fim do ano.
Completou bem a prova?
Sim, nadei 2 km, pedalei 90 km e corri 21 km em seis horas. O segredo é ter disciplina para cuidar do corpo e adotar uma dieta equilibrada. É preciso se cuidar, porque um dono de empresa trabalha 24 horas se não desligar o WhatsApp e reservar pelo menos parte do fim de semana para a família. Agora que tenho minha filhinha Cecília, nascida em janeiro deste ano, isso é ainda mais importante.
E férias, consegue tirar regularmente?
Eu costumo tirar três folgas de uma semana por ano, que são suficientes para descansar sem me ausentar muito dos negócios. Na época do Natal, fico um período maior longe do escritório, até o dia 10 ou 15 de janeiro. Viajo com a família ao exterior de vez em quando. Hoje consigo equilibrar muito bem minha rotina espiritual, o trabalho, a família e a saúde.