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Na terra da inovação

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Na terra da inovação

Parceiro de conteúdo da THE PRESIDENT, o Future Hacker apresenta, com exclusividade, capítulo do relatório Horizon. O futuro da alimentação e do agronegócio passa por aqui

Qual foi a grande disrupção da história da humanidade? Muitos historiadores responderão de bate-pronto: a agricultura. Ela representou uma ruptura, trazendo tanto avanços como perdas. Levou à abundância, mas também a desigualdades sociais e ao surgimento de doenças. De qualquer maneira, a agricultura é um marco essencial para o florescimento da civilização — o ponto de partida para vilas, cidades, escrita, comércio e cultura. O cultivo de lavouras e a domesticação de animais mudaram para sempre a relação entre o ser humano e a natureza.
No contexto das mudanças climáticas, novas formas de produzir alimentos vêm ganhando relevância. O advento das agritechs, por exemplo, com os novos alimentos — e superalimentos. Ao mesmo tempo, uma agricultura urbana e vertical tem potencial para ser uma solução eficiente para as metrópoles. No meio disso tudo, há empresas e iniciativas trabalhando para reduzir drasticamente o desperdício de alimentos. Um agro tecnológico, sustentável e regenerativo está brotando.

Biohacking alimentar

Aquilo que vai para o prato das pessoas precisa estar no centro das discussões. Precisamos saber como levar a comida para mais gente, de forma mais saudável e sustentável. “A chave é priorizar alimentos de biomas ricos, diversos e resilientes”, afirma Max Petrucci, cofundador da Mahta, startup da área de nutrição e alimentos em pó. “Precisamos nos concentrar em uma alimentação baseada em alimentos integrais e naturais, evitando ultraprocessados e escolhendo superalimentos com maior concentração de nutrientes.” Ele vai além: “É importante que a nutrição seja personalizada, assim como a medicina. Vamos consumir alimentos com base no que nosso corpo precisa naquele momento”. Outro ponto-chave do novo momento é a agricultura regenerativa. Ela busca recuperar e preservar a saúde do solo e dos ecossistemas agrícolas por meio de práticas que promovem equilíbrio ambiental e estabilidade produtiva. Envolve técnicas como rotação de culturas, cobertura permanente do solo, uso mínimo de revolvimento e ações para controlar a erosão. O objetivo é evitar novas perdas de fertilidade, mantendo o solo vivo e funcional, reduzindo impactos ambientais e contribuindo para a resiliência da agricultura frente às mudanças climáticas.

O futuro da alimentação também traz a tendência dos alimentos em pó. Segundo José Serna, empresário e investidor na indústria agroalimentar, baseado em Dubai, nos Emirados Árabes, cerca de 40% dos alimentos consumidos já estão nessa forma, seja como ingredientes industriais ou como produtos de consumo direto, como suplementos, misturas instantâneas e cápsulas. Serna destaca as vantagens desse tipo de alimento: longa vida útil, rastreabilidade, controle de qualidade, redução de desperdício e menor impacto logístico. “A farinha, por exemplo, é um alimento em pó com milhares de anos. Estamos apenas redescobrindo e expandindo o conceito.” Em relação ao valor nutricional desses alimentos, Serna explica que, com o uso de tecnologias como a liofilização, é possível preservar a maioria dos nutrientes, inclusive vitaminas. “O alimento em pó pode ser saudável e seguro.”

Tecnologia contra o desperdício

Dentro da discussão sobre uma nova alimentação, não podem ficar de fora a redução do desperdício de alimentos e o incentivo da economia circular. O empreendedor Daniel Solomon, da HeroGo, sediada em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, atua para resgatar alimentos que não têm boa aparência e proporcionam bons descontos. Seu slogan é simples e direto: “Save money, save food, save the planet”.
“O sistema alimentar está quebrado”, afirma Solomon. Para ele, o desperdício acontece da produção ao consumo — e muitas vezes passa despercebido. Promoções que incentivam compras em excesso, frutas e legumes descartados por não serem “bonitos” e a confusão em torno dos rótulos de validade são apenas alguns exemplos. “Muitas pessoas ainda não entendem a diferença entre ‘consumir até’ e ‘vencido’. Precisamos educar o consumidor e padronizar as informações.”

A HeroGo funciona como um elo entre agricultores locais e consumidores, vendendo alimentos considerados “feios” ou excedentes por meio de assinaturas semanais ou compras pontuais. Para tornar o processo ainda mais eficiente, a empresa utiliza inteligência artificial para prever a demanda e evitar a superprodução. A urgência é clara. O desperdício de alimentos é responsável por 8% das emissões globais de gases do efeito estufa. Outra voz da nova alimentação é Yazen Al Kodmani, gerente de uma fazenda orgânica nos Emirados Árabes Unidos e fundador da 3Y Egg Tech. “Há muitas razões para o problema, começando por falhas na colheita”, relata. “Parte da solução está na educação do consumidor e na busca por um sistema alimentar mais resiliente.”

Agricultura urbana

Era muito comum numa época em que as cidades eram mais, digamos, provincianas que as pessoas tivessem o seu próprio cultivo de hortaliças e até de frutas. Restaram poucos exemplos na vida urbana de hoje. Virou nostalgia. O grande paradoxo é que as hortas podem se tornar um fator modernizante nas cidades. Sim, a agricultura urbana é uma realidade moderna e até disruptiva. Ela pode produzir em série, com valor nutricional superior e até sem defensivos agrícolas. Nesta nova realidade, vale destacar a agricultura vertical e os sistemas hidropônicos. A agricultura vertical, como o nome antecipa, utiliza estruturas verticais, como prateleiras empilhadas ou torres, para produzir alimentos em ambientes controlados, em geral dentro de edifícios ou estufas. Consome menos água, além de possibilitar a produção próxima ao consumo urbano. No caso da hidroponia, uma técnica já antiga, utiliza-se água — e não o solo como intermediário. Com uma solução nutritiva e dissolvida, o cultivo é mais preciso. “Na agricultura convencional, parte da água com nutrientes se perde no solo, enquanto na hidroponia, o sistema é fechado e a água é recirculada”, diz Iván García Besada, CEO da Néboda Farms.

Inovação no mercado

A conclusão é que empresas de alimentos precisam rever seus conceitos. Não se trata apenas de produtividade ou selos de sustentabilidade, mas de recorrer à biotecnologia. Vale destacar Andrés Montefeltro, CEO e cofundador da Cubiq Foods, que desenvolve soluções alternativas de gorduras para a indústria alimentícia, utilizando emulsões avançadas, microencapsulação e cultivo celular. Ele propõe utilizar processos biológicos para a produção de alimentos. “As gorduras alternativas que projetamos mudam paradigmas em recheios de cremes, produtos de carne e diversas outras categorias”, explica. Montefeltro critica abordagens superficiais para a sustentabilidade. “A solução sustentável não está em simplesmente taxar poluidores ou comprar cotas de carbono, mas em usar ingredientes que sejam menos poluentes por si só. Precisamos focar na reindustrialização e criar centros tecnológicos para desenvolver componentes industriais mais sustentáveis.” A produção e desenvolvimento de proteínas alternativas também são a bola da vez na discussão. Para Guido Mercati, cofundador e CEO da PROTe-IN, é preciso revolucionar o segmento. Sua startup é especializada na fermentação de proteínas comestíveis, transformando carbono em nutrientes. A PROTe-IN captura dióxido de carbono da atmosfera ou de gases residuais para utilizá-lo como matéria-prima para alimentar microrganismos. “Em vez de glicose, os microrganismos se alimentam de CO₂ transformando-o em proteínas de alto valor nutricional”, detalha.

A era das agritechs

A digitalização do campo, o uso de sensores, dados em tempo real, inteligência artificial e modelos circulares já estão se tornando realidade na paisagem agrícola em muitas partes do mundo. Nesse contexto, as agritechs são protagonistas. Um bom exemplo é a Plantae. A startup espanhola conecta plantas por meio de sensores e tecnologia de radiofrequência. A empresa desenvolveu sensores de baixo custo para medir a umidade do solo, com foco inicial em vinhedos, oliveiras e horticultura. A expansão de soluções inovadoras no campo enfrenta desafios estruturais importantes, como a baixa conectividade em áreas rurais e o déficit de educação tecnológica entre agricultores. Samuel Lopez, CEO da Plantae, destaca que muitos produtores ainda irrigam suas plantações “no olho”. Segundo ele, “não basta oferecer sensores, é preciso ensinar o produtor a interpretar os dados”. Para superar o entrave, a Plantae desenvolveu sensores de baixo custo e optou por parcerias com distribuidores locais, fundamentais para alcançar produtores que não estão conectados à internet e precisam de suporte presencial.

Lopez enfatiza que “a tecnologia precisa se moldar ao agricultor, e não o contrário”. Além disso, ressalta que governos têm um papel vital ao investir em educação rural e infraestrutura de conectividade. Nesse contexto, a aplicação e uso da robotização, automação e Internet das Coisas (IoT) está transformando a forma como os alimentos são produzidos, monitorados e distribuídos. A robotização permite a execução de tarefas repetitivas ou desgastantes, como plantio, colheita e controle de pragas, reduzindo a dependência da mão de obra humana e aumentando a produtividade. Já a automação de processos agrícolas, por meio de tratores autônomos, drones e sistemas inteligentes de irrigação, garante maior controle, otimizando o uso de insumos e minimizando desperdícios. A IoT tem um papel central na coleta e análise de dados em tempo real, conectando sensores instalados no solo, em máquinas e nas plantas a plataformas digitais que permitem o monitoramento contínuo das condições climáticas, da umidade, do crescimento das culturas e da saúde do solo. Essa integração viabiliza uma agricultura de precisão. José Serna também destaca a importância desses recursos. Segundo ele, a nova geração de empreendedores traz novas ideias, como embalagens sustentáveis, rastreabilidade via QR code e plataformas para evitar perdas no varejo e na produção. “Muitas vezes, a inovação mais eficaz vem de tecnologias simples, bem aplicadas, com valor real para quem está na base da cadeia produtiva.”

Essa sensibilidade ao contexto local também é central para Yazen Al Kodmani, nos Emirados Árabes Unidos. Ali, a agricultura enfrenta obstáculos extremos: escassez de água, temperaturas elevadas, solos arenosos. Mesmo assim, a inovação floresce. Al Kodmani descreve soluções simples e eficazes, como as shadow houses — estruturas de sombreamento que reduzem o consumo de água —, e o cultivo de ostras que, com novas técnicas, amadurecem em apenas oito meses. Ele vê um futuro híbrido, no qual tecnologias acessíveis, como sensores e softwares intuitivos, fortalecem a agricultura familiar e o conhecimento é democratizado pela internet.

Proteína alternativa

Essa sensibilidade ao contexto local também é central para Yazen Al Kodmani, nos Emirados Árabes Unidos. Ali, a agricultura enfrenta obstáculos extremos: escassez de água, temperaturas elevadas, solos arenosos. Mesmo assim, a inovação floresce. Al Kodmani descreve soluções simples e eficazes, como as shadow houses — estruturas de sombreamento que reduzem o consumo de água —, e o cultivo de ostras que, com novas técnicas, amadurecem em apenas oito meses. Ele vê um futuro híbrido, no qual tecnologias acessíveis, como sensores e softwares intuitivos, fortalecem a agricultura familiar e o conhecimento é democratizado pela internet.

Proteína alternativa

Uma questão atualíssima: como agir na produção global de carne? Aqui entra Albert Tseng, cofundador da DAO Foods. Com duas décadas dedicadas a negócios de impacto — ONU, saúde na África e engenharia biomédica —, Tseng decidiu mirar o coração do problema. “Reduzir a dependência de pecuária intensiva é a ‘bala de prata’ para o clima, a saúde pública e a pobreza”, destaca. Sua aposta é atuar no maior mercado do planeta. A China, com 1,4 bilhão de habitantes, consome 26% da carne do mundo e 45% de todos os frutos do mar, mas ainda tem ingestão per capita bem abaixo do Ocidente. Isto significa que a pressão pelo consumo de proteína animal só aumenta. Para Tseng, “cada incremento de renda na Ásia reverbera em mais soja plantada no cerrado brasileiro”. Por isso, a DAO Foods investe em mais de 20 startups chinesas focadas em proteína vegetal avançada, fermentação de micélio e carne cultivada, como a Starfield, que já estampa produtos meat-less nos cardápios do KFC e da HeyTea. A estratégia não é substituir bife por bife, mas ganhar share of stomach com formatos locais, que misturam micélio (rede fungos), ervilha e soja.

O efeito é claro. Cada quilo de carne bovina evitado poupa até 15 mil litros de água e 36 kg de CO2e. Além disso, 70% dos antibióticos do planeta, hoje destinados à pecuária, deixariam de entrar na cadeia alimentar. Tseng alerta, no entanto, para um gargalo: letramento. “Não basta tecnologia. Precisamos ‘alfabetizar’ consumidores, investidores e reguladores sobre o valor social e ambiental dessas novas proteínas.” Sem esse esforço conjunto, segundo ele, inovações poderão ficar presas em labirintos regulatórios que duram de 5 a 10 anos.

Embora a inteligência artificial venha transformando a produção agrícola, especialistas alertam que, sem regulamentações adequadas, seu uso pode gerar efeitos colaterais significativos. Problemas como a vulnerabilidade de patentes, o domínio de plataformas fechadas, o risco de exclusão tecnológica de pequenos produtores e o uso indevido de dados devem ganhar escala, caso não haja investimentos consistentes em formação e políticas de governança.
Uma das ameaças mais urgentes refere-se ao uso da IA para reproduzir características de sementes patenteadas por meio da engenharia reversa. Combinando algoritmos sofisticados e bases genéticas públicas, sistemas automatizados já são capazes de mapear traços como tolerância à seca ou resistência a pragas — um caminho que pode levar à criação de sementes “piratas” e à erosão dos direitos de propriedade intelectual. A International Seed Federation aponta esse fenômeno como uma das fragilidades mais críticas do sistema global de patentes no setor agropecuário.

Além disso, a precisão dos modelos de IA depende diretamente da qualidade dos dados com que são treinados. Muitos algoritmos foram desenvolvidos com base em dados oriundos de solos e climas europeus ou norte-americanos, o que resulta em falhas quando aplicados em contextos tropicais. Com o campo cada vez mais conectado, automatizado e orientado por algoritmos, torna-se urgente construir uma base ética e legal sólida. Encontrar o equilíbrio entre o uso criativo da tecnologia e a proteção dos direitos de agricultores será fundamental para que a inteligência artificial contribua, de fato, para um sistema alimentar sustentável, inclusivo e resiliente até 2030.