Por que empresários visionários se apaixonam pelo Dão, em Portugal, e investem em aldeias medievais para transformar o passado em um futuro sustentável
Por Reila Criscia
O Dão é uma terra que guarda histórias nas pedras e sonhos nas vinhas. A Casa dos Vales é um desses lugares. Trata-se de um reduto de resgate cultural e arqueológico, dedicado à revitalização de videiras centenárias do Dão — incluindo uvas autóctones preservadas ao longo de gerações. Ela nasceu nesse cenário como ponte entre o passado e o porvir, restaurando uma casa do século 17 e resgatando castas autóctones. Em 2026, o terroir ganha nova vez e voz — com o primeiro vinho da Casa, sob a assinatura do enólogo Hélder Cunha. Ao chegar à Casa dos Vales, em Penalva do Castelo, no coração da Beira Alta, o tempo parece mudar de ritmo. A estrada sinuosa que margeia o Rio Dão conduz a uma paisagem de vinhas antigas, muros de pedra e aldeias medievais onde o silêncio guarda histórias. O contraste é imediato para quem vem de grandes centros urbanos. Foi nesse cenário que o produtor Pedro Alves Cardoso, natural de Penalva do Castelo, instigou um amigo empreendedor — apaixonado por cultura, arquitetura e restauro — a dividir o sonho de devolver vida a uma casa do século 17 e às vinhas que a cercam.
Quando assumiram a propriedade, em 2024, as parreiras estavam tomadas por mato, quase ocultas pelo tempo. Sob a orientação do enólogo Hélder Cunha, reconhecido pelo resgate das vinhas de Colares e pela atuação à frente da Casca Wines, as videiras autóctones — Touriga Nacional, Jaen, Alfrocheiro e Encruzado — voltam a florescer. O manejo é sustentável, a viticultura regenerativa, e a primeira safra já tem data: 2026. O território em torno da Casa dos Vales é um compêndio da alma do Dão. Próximo dali ergue-se o Mosteiro do Santo Sepulcro, também conhecido como Mosteiro das Águas Santas — o mais antigo da Península Ibérica, do século 13, reclassificado como Monumento Nacional. A ponte e a calçada medievais restauradas recordam o tempo em que o ofício da pedra sustentava a vida. Seguindo pela região, a Casa da Ínsua é outro exemplo de preservação.
O palacete barroco do século 18, erguido por Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres — então governador de Mato Grosso, no Brasil —, guarda a memória dos laços históricos entre os dois países. O seu museu reúne mapas, aquarelas e registros de fauna e flora que retratam as expedições científicas e o espírito explorador que uniu o Dão à região de Cáceres. Hoje, a Casa da Ínsua abriga um parador histórico onde se produzem vinhos, azeites, compotas e o emblemático queijo da Serra da Estrela. Essa proximidade com a Serra — seus pastos, o ar frio e as comidas de tacho que fumegam em panela de ferro — é também parte do encanto que envolve a Casa dos Vales. O território alimenta o corpo e a imaginação. A filosofia do projeto inspira-se em valores de preservação e consciência, alinhados aos princípios ESG: práticas agrícolas regenerativas, uso racional da água, valorização da comunidade e incentivo à permanência das famílias no campo. O restauro combina técnicas tradicionais e eficiência energética, mantendo a harmonia entre autenticidade e inovação. Em Penalva do Castelo, José Laires, presidente da Câmara Municipal de Penalva do Castelo, resume essa vocação de futuro partilhado: “No Dão temos vinhos de excelência, património preservado, água, produtos endógenos e qualidade de vida. O que falta é acreditar juntos. Se unirmos esforços e dermos condições para os jovens ficarem, será a vez do Dão”. Na mesma direção, os planos de preservação da Casa dos Vales refletem o compromisso de transformar a história em movimento vivo: a recuperação do jardim e do pomar, o plantio de árvores nativas, trilhas entre as vinhas e experiências de enoturismo que envolvem produtores, artesãos e a gastronomia regional. Cada ação procura devolver ao território o que ele oferece — respeitando o ritmo da terra e valorizando quem nela trabalha. Mais do que um investimento, a Casa dos Vales é um gesto de fé no território e no tempo. Uma ponte entre pedra e vinho, entre memória e futuro. O Dão, com sua luz suave, ensina que o tempo é o maior aliado da maturidade.
Casa dos Vales
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