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crônica

Alma paraense

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A chegada a Belém desperta memórias e sabores, com muito calor

Por Izabella Cristo

A TURBULÊNCIA LEVE TE DESPERTA. Quase três horas de voo, você acorda do cochilo, a turbina ronca potente no seu ouvido direito. Desencosta a cabeça da janela, avista lá embaixo o manto verde. Atesta: ainda existe Amazônia. Não deixa de reparar certas áreas feridas, quadriláteros barrocos no manto. Lamenta.

O piloto anuncia a descida. Bem-vindos a Belém do Pará, cidade das mangueiras. Pega a mochila com calma, diferentemente das pessoas ao redor, ansiosas pelos bagageiros lotados de sacolas, malas e pacotes de presentes. Paraenses são assim, sempre carregados de surpresas. Você já fez essa travessia diversas vezes, não tem mais tanta pressa. Desce do avião, pega a mala na esteira lotada. Na sala de desembarque estranha tantos toldos e divisões. Na saída do hall do aeroporto, o bafo quente equatorial te recebe na face. Você volta a sentir o clássico calor úmido geográfico. Em breve, você será acometida pelo suor, a famosa brea, vai ficar com a cara de pupunha. Você ri ao se lembrar do extenso vocabulário e palavreado paraenses. A gramática papa-chibé é avançada. Não dá tempo de brecar nada, você entra no táxi.

“Égua, mano, tá calor demais”, o taxista comenta. Acomodada no banco do táxi, observa, nas ruas, mais toldos e construções. A cidade está em reforma. O coração de Belém se prepara para receber mais gente. Desta vez, não só os usuais 2 milhões de peregrinos do Círio de Na-zaré. Coração de cidade-mãe é assim, sempre cabe mais um. Carros, a usual avalanche de motos e bicicletas acompanham o trajeto. Você ia pra casa. A mãe te espera com algum almoço. Afinal, todo paraense que se preze recebe sempre o outro com um bom prato. Arroz paraense com jambu. Suco de cupuaçu, o seu preferido. Açaí de sobremesa. Com farinha de tapioca e açúcar. “Me leva lá pra praça da Casa das Onze Janelas.” “Pra já!”

“Mas vai pela Almirante Barroso.” Você quer ir pela avenida principal da capital. Quer ver a torre da RBA, um dos pontos mais altos da cidade. Quer passar em frente ao Bosque Rodrigues Alves, onde você conheceu o boto-cor-de-rosa na infância e passeava por lá até a adolescência, pois ficava bem perto da faculdade. Chegam às ruas do centro da cidade. O corredor de mangueiras plantado na Belle Époque orna as calçadas, dá frescor ao calor e te encanta novamente. Você agradece aos antepassados que plantaram aquelas sementes de sombra e manga fresca. A cidade em que a comida pode cair dos céus. “Tem muito traumatismo craniano em Belém?”, um professor do Sudeste, uma vez te perguntou num congresso. “Tem, mas não de manga. É queda de moto mesmo”, você respondeu. Chega à praça da Casa das Onze Janelas, conta de novo, confere, são onze. 

Entra no prédio, atravessa o corredor até o museu, percorre a orla, avista o Forte do Castelo e a orla do bairro da Cidade Velha, onde a cidade supostamente nasceu. Sente saudade de uma história a qual você não viveu, só soube. A Baía do Guajará brilha com o sol ameaçando se esconder. Você retorna à praça Caetano Brandão, olha a Igreja da Sé, uma das moradias de Nossa Senhora de Nazaré no Círio.

Relembra como o mesmo espaço fica intransitável, todos os anos, empilhado de romeiros e peregrinos, completamente diferente daquela época, com poucas barracas de comida e apenas uma de brinquedos de miriti. Mais próxima, você observa os brinquedos coloridos de madeira leve e nobre, têm gosto de infância e família. Você sorri. A barriga ronca, você está brocada. Está com desejo, saudade de comer uma boa posta de peixe filhote. “Bem melhor do que tainha”, se lembra da eterna briga com o marido sulista. Ele nunca negou.

A culinária paraense é um patrimônio cultural. Desde os peixes, filhote, pirarucu (nosso bacalhau), tambaqui, tucunaré, mapará, assados, cozidos, fritos, bem temperados com jambu, tucupi ou simplesmente sem nada, ficam bons de qualquer jeito. Nem me fale, mana, dos sucos e frutas, cupuaçu, bacuri, taperebá, manga. No restaurante, pede o peixe com arroz paraense. O jambu do risoto faz tremer a língua anestesiada, como sempre. Termina o suco de cupuaçu de um gole, pede a conta e pega outro carro em direção ao Mangal das Garças, quer ver o pôr do sol de lá. Mas antes passa numa sorveteria. “Açaí com tapioca, por favor.” “Paraense?” Sim, sorvete paraense. Se tivesse cara de turista, o moço te deixaria beliscar de prova todos os sabores do balcão. Paraense é generoso, adora agradar os turistas. “Só não vai misturar açaí com manga!”, alerta a lenda. No Mangal, percorre o trapiche com sua pequena mala. O sol de penumbra alaranjada se põe na baía. Você recarrega parte da energia na alma.

A culinária paraense é um patrimônio cultural. Desde os peixes, filhote, pirarucu (nosso bacalhau), tambaqui, tucunaré, mapará, assados, cozidos, fritos, bem temperados com jambu, tucupi ou simplesmente sem nada, ficam bons de qualquer jeito. Nem me fale, mana, dos sucos e frutas, cupuaçu, bacuri, taperebá, manga. No restaurante, pede o peixe com arroz paraense. O jambu do risoto faz tremer a língua anestesiada, como sempre. Termina o suco de cupuaçu de um gole, pede a conta e pega outro carro em direção ao Mangal das Garças, quer ver o pôr do sol de lá. Mas antes passa numa sorveteria. “Açaí com tapioca, por favor.” “Paraense?” Sim, sorvete paraense. Se tivesse cara de turista, o moço te deixaria beliscar de prova todos os sabores do balcão. Paraense é generoso, adora agradar os turistas. “Só não vai misturar açaí com manga!”, alerta a lenda. No Mangal, percorre o trapiche com sua pequena mala. O sol de penumbra alaranjada se põe na baía. Você recarrega parte da energia na alma.

No Mangal, percorre o trapiche com sua pequena mala. O sol de penumbra alaranjada se põe na baía. Você recarrega parte da energia na alma. Compra o ticket e sobe na torre do Mangal, bem na hora em que vão alimentar as garças, o espetáculo de pássaros em nuvens atrás dos peixes lançados é encantador. Avista o parque de cima, a cidade das mangueiras é entremeada de porções verdes. Consegue localizar os bolsões do Parque do Utinga, uma área verde bem maior.

Na orla mais distante, a Estação das Docas, a antiga área fluvial do porto, onde os guinchos amarelos aposentados ainda ornam. Não vai dar tempo de visitar hoje, fica pra outro dia. Não se pode ter tudo. Sai com a alma renovada. Chega à casa da mãe, no outro município, reenergizada.

“Como foi o passeio, minha filha? “Foi ótimo.” “Tá com fome?” “Não, só sede.”

Sua mãe te prepara um suco. Na prateleira do quarto, pacotes de bombons de cupuaçu e castanha-do-pará encomendados, junto à cachaça de jambu, itens que, para você, não têm preço.

Você deita na rede no quarto, se balançando e fazendo roncar o armador, mirando a estante, pensando em como vai caber tudo aquilo na sua maleta.

“Égua, preciso comprar um isopor”, a mãe alerta, te entregando o copo de suco de cupuaçu fresquinho.

A volta é sempre carregada de quilos e produtos paraenses, inevitável. Todo paraense que se preze faz importação de comida. Está certa de que, na volta, sua mala estará cercada de isopores e caixas na mesma esteira. A mala vem pesada. Mas a alma, essa sim, estará mais leve.