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Arte em movimento

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Arte em movimento

Há meio século, o projeto BMW Art Cars transforma os carros da marca bávara em telas para obras atemporais 

Por Paulo Manzano e Mario Ciccone

Entre os pilotos franceses, ouvimos falar muito mais de Alain Prost, quatro vezes campeão da F1. Ou de Sébastien Loeb, nove vezes seguidas vencedor do campeonato mundial de rali. Mas Hervé Poulain merece também um lugar na nossa memória.

Muito mais do que dez participações em Le Mans, Poulain marcou a história da BMW com uma ideia simples: transformar carros em telas metálicas para manifestações artísticas. Ex-piloto, ele também é, aos 84 anos, leiloeiro e empresário. Sempre pensou fora da caixa.

Foi dessa inquietação que nasceu, em 1975, o projeto BMW Art Cars. A proposta era direta: convidar um artista de renome para intervir livremente sobre um carro de corrida. O primeiro a aceitar o desafio foi o escultor canadense Alexander Calder, famoso pelos móbiles, que pintou um BMW 3.0 CSL inscrito por Poulain nas 24 Horas de Le Mans daquele ano. O impacto foi imediato. A fusão entre arte e velocidade abriu um novo capítulo para o design automotivo — e inaugurou uma coleção que segue em expansão até hoje.

Ao imaginar carros como esculturas em movimento, Poulain deu à arte um novo circuito — mais dinâmico e imprevisível do que qualquer galeria. Para ele, Le Mans era mais do que uma corrida: era um palco cósmico, “uma metáfora da vida humana cheia de alegria e drama”.

Hoje, o criador da série BMW Art Cars encara o tempo com ironia e intensidade. “A morte não vai me levar vivo”, costuma dizer. Para ele, viver é ocupar plenamente o breve intervalo entre o nascimento e o fim — com beleza, risco e coragem.

A partir daquele momento, 20 artistas de renome internacional deram forma visual a diferentes modelos da marca, criando uma coleção que percorre cinco décadas de história da arte contemporânea. A lista inclui nomes como Roy Lichtenstein, Andy Warhol, Jenny Holzer, David Hockney, Jeff Koons, Esther Mahlangu, Cao Fei e Julie Mehretu, entre outros. Os estilos vão da pop art à arte conceitual, da arte abstrata ao realismo, passando por instalações digitais e experiências em realidade aumentada. “Os artistas são fascinados por carros desde sua invenção”, afirma Thomas Girst, head de engajamento cultural do BMW Group.

A escolha dos artistas foi feita por júris compostos por curadores e diretores de museus de prestígio internacional. Em colaboração com engenheiros e designers da BMW, cada artista desenvolve seu projeto com liberdade total. O resultado são obras únicas, que capturam não apenas a estética da arte contemporânea, mas também os dilemas e temas do seu tempo. Confira cinco modelos que simbolizam o espírito dessa coleção.

Roy Lichtenstein, BMW 320i Turbo, 1977 

Roy Lichtenstein (1923-1997), craque da pop art, criou uma paisagem visual em constante movimento nas laterais do BMW 320i Turbo. Utilizando seus característicos pontos Ben Day e contrastes de cor marcantes, conferiu ao carro uma sensação de velocidade e continuidade. Lichtenstein transformou o BMW em uma narrativa gráfica sobre o deslocamento, como se o próprio veículo deixasse um rastro de história por onde passasse. O modelo participou da prova de Le Mans, onde alcançou o 9º lugar geral e o primeiro em sua categoria. Mais do que um carro, o 320i Turbo tornou-se um gibi em movimento, onde cada detalhe conta uma parte da jornada.

Andy Warhol, BMW M1, 1979

Talvez o mais célebre entre todos os BMW Art Cars, o BMW M1 pintado por Andy Warhol (1928-1987) representa uma fusão perfeita entre arte e velocidade. Em um gesto que rompeu com o processo usual, Warhol aplicou pessoalmente a tinta sobre o carro – e o fez em tempo recorde: apenas 28 minutos. Utilizou mais de 6 quilos de tinta para criar um visual vibrante que transmitisse a sensação de movimento. “Tentei mostrar a velocidade como uma imagem visual”, explicou. Seu trabalho expressa graficamente o borrão de cores e formas gerado por um carro em alta velocidade. O M1 competiu nas 24 Horas de Le Mans e obteve um notável sexto lugar na classificação geral. Hoje, essa peça ocupa um lugar de destaque tanto na história do automobilismo quanto na arte contemporânea.

Jeff Koons, BMW M3 GT2, 2010

Conhecido por sua estética exuberante e colorida, Jeff Koons trouxe uma explosão de energia ao BMW M3 GT2. O carro apresenta faixas coloridas que simulam dinamismo extremo, como se a própria carroceria estivesse vibrando. Koons desejava criar um carro que gritasse “velocidade” — e conseguiu. Mesmo parado, o veículo parece estar prestes a disparar. A inspiração para o design veio da potência dos motores e da própria intensidade da corrida. Nas 24 Horas de Le Mans de 2010, o carro causou impacto tanto pelo design quanto pela recepção do público, sendo amplamente fotografado e celebrado como uma ponte entre o passado artístico da série e sua renovação no século 21.

Cao Fei, BMW M6 GT3, 2017

A artista chinesa Cao Fei foi a primeira a incorporar realidade aumentada em um BMW Art Cars. Seu projeto para o BMW M6 GT3 utiliza como base a aparência do carbono — material comum em carros de corrida — como tela para uma tempestade digital de cores visíveis por meio de um aplicativo de RA. Por meio dessa interação, o carro ganha uma camada de experiência sensorial além da visão física, fundindo o mundo real com o digital. Fei também reflete sobre o tempo e a transformação cultural na China contemporânea, incorporando esses temas em sua obra. Assim, o carro se torna um portal para experiências híbridas, onde passado, presente e futuro dialogam sobre rodas.

Julie Mehretu, BMW M Hybrid V8, 2024

Encerrando simbolicamente o ciclo iniciado em 1975, o BMW M Hybrid V8 de Julie Mehretu é a 20ª obra da série Art Cars. Inspirada em sua própria pintura Everywhen, Mehretu traduziu para o carro uma composição complexa feita de camadas de imagens digitalizadas, gradientes, spray neon e suas marcantes pinceladas gestuais. O projeto foi impresso em um envoltório que cobre integralmente o veículo, transformando-o em uma extensão tridimensional da obra original. O carro competiu nas 24 Horas de Le Mans com o número 20, reforçando o elo entre arte e performance. Mais do que um objeto de exibição, o veículo é também ponto de partida para um projeto educacional: em 2025, Mehretu liderará workshops de arte e mídia com jovens criadores em cinco países africanos, integrando o carro ao futuro das expressões artísticas globais.