Sócia-diretora da Pedra Forte, Cinthya Parada traz uma visão holística para os empreendimentos imobiliários, com sustentabilidade, defesa da comunidade e valorização das pessoas
Por Mario Ciccone
Retratos Germano Lüders
Em suas quase 300 páginas, temos uma bússola sobre urbanismos, bairros integrados e mistura de usos. Essas linhas são uma preciosidade para formuladores de políticas públicas, urbanistas e arquitetos. Mas o livro também está na cabeceira de uma líder de construtora, que traz propósitos em seus projetos para um desenvolvimento urbano e social. Trata-se de Cinthya Achon Parada, 46 anos, sócia e diretora jurídica, de compliance e ESG, da Pedra Forte, advogada com especializações em diversas áreas, como direito contratual, gestão, marketing, compliance, LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e governança, entre outros, em instituições como Mackenzie, FGV e Harvard. Fez carreira no direito, sendo a precursora de um sistema jurídico focado na prevenção de riscos e no crescimento de empresas de todos os segmentos. Ela e seu marido, Felipe, estão hoje à frente da Pedra Forte, que nos últimos anos ganhou grande notoriedade por seu olhar social, pautado no desenvolvimento urbano, sustentável e humano. Ela contribuiu implantando ideias inovadoras, que promovem a melhor qualidade de vida urbana e humana, e também economicamente viáveis a longo prazo.
A companhia já entregou inúmeros projetos, entre corporativos e residenciais, nas regiões paulistanas dos Jardins e de Pinheiros, além de centros corporativos de alto padrão. Seu elenco de arquitetos também chama a atenção. Isay Weinfeld, Ricardo Wertheim, Patricia Anastassiadis e Perkins & Will estão entre os artistas das pranchetas que trabalham com a Pedra Forte. Nesta entrevista a The President, Cinthya fala de sua bagagem familiar, seu tempo morando numa casa isolada no litoral paulista, seu sonho de atleta e a cicatriz deixada pela perda da mãe. Tudo isso moldou a profissional, visionária e mãe de Vinicius e do Arthur, com uma paixão pela vida e um olhar social transformador.
Cinthya Parada: Essa semente plantada trouxe algo muito essencial a mim e à minha vida: o respeito e a valorização da natureza, a importância da saúde e o quanto a família é essencial. Aprendi que a natureza e o amor das pessoas que amamos são a nossa verdadeira riqueza e são suficientes para o nosso bem-estar pessoal e social. Meus pais me mostraram a força do amor e da união, a riqueza da nossa história, que se tornou a base dos meus valores, ensinados por eles, que modelaram o meu propósito de vida. O amor que vivenciei na conexão com o meu pai, Carlos, a minha mãe, Mirian, e as minhas irmãs, Ingrid e Cali, foram sinais gravados como um imprint, a minha marca de desenvolvimento na vida, que fizeram toda a diferença na pessoa e na profissional que me tornei. Desde muito pequena, me lembro de enxergar e me colocar no lugar do outro, mesmo um desconhecido. Me lembro de sentir o que ele sentia e já tinha um desejo enorme de ajudar, mesmo que com uma palavra apenas. Era uma força incontrolável, como se fosse uma necessidade ou uma obrigação. Nunca consegui descrever corretamente essa força interna e avassaladora que vive em mim. Meus pais sempre tiveram uma incrível empatia um pelo outro, aceitando suas diferenças. E eu cresci envolta nessa premissa, com querer ajudar, em vez de julgar ou ter pena. Hoje vejo que isso é fundamental para nos transformar e para transformar o mundo à nossa volta. Meus pais me ensinaram através do amor e da confluência dos acontecimentos a ter gratidão por exatamente tudo que me cerca, a importância da compaixão e a satisfação de ver como pequenas atitudes podem transformar a vida do outro e do mundo.
Tenho muitas, mas vou citar algumas bem importantes para mim. Quando eu tinha 3 anos, ganhei uma cachorrinha de meu pai, minha grande companheira na primeira infância, dei o nome de Pollyana, o nome do livro que minha mãe lia para mim todas as noites. No livro, Pollyana sempre enxergava o lado bom das coisas e das pessoas mesmo quando todos achavam impossível. Era uma pessoa que acreditava na humanidade e eu me identificava com o sentir dela. Outra grande lembrança foi a dona perna, a minha canoa, onde adulto não cabia, só uma criança. Ela foi fundamental para a minha autonomia, independência e força e me deu liberdade de movimento, a permissão de navegar sozinha. Outro momento mágico era a hora que meu pai tocava violão e minha mãe seu pianinho, que tenho guardado até hoje. Todas as noites, antes de dormir, cantávamos juntos, nós cinco, as músicas que eles compunham, em várias línguas. Nos divertíamos aprendendo. Adorava zarpar de barco à noite com meu pai para pescar. Era uma grande aventura com o meu grande herói, que me ensinou a fazer o “lais de guia”, a diferenciar a coral falsa da coral verdadeira, a sair correndo quando alguma cobra fazia o “sss” e a nunca matar nenhum animal, nem mesmo as cobras. Meu pai sempre disse que nós, humanos, somos os intrusos, que um animal só ataca quando se sente ameaçado e que respeitar e entender isso é a essência da vida. E é assim em todas as relações. Na verdade, ele estava me dando uma das maiores lições de convivência harmônica da minha vida. Era incrível também voltar da escola pela costeira, pelo caminho das pedras. Até hoje, guardo na memória o gosto delicioso do pão caseiro, com manteiga e mel, que minha mãe fazia para o lanche da escola e a sensação de felicidade quando ela costurava uma roupinha nova para nossas “bonecas”, feitas de caixas de ovo. Para mim, elas só faltavam falar. Nunca me esqueço de um Natal em que meu pai realmente trouxe uma boneca, e que boneca! Lembro da cena como se fosse hoje: ele colocou a boneca no chão e ela começou a andar e recitar “batatinha quando nasce”. Foi indescritível.
Lembro-me do dia que meu pai trouxe o gerador para a escolinha, atrás da minha casa. O momento em que ele acendeu a luz foi incrível. Precisávamos disso para as aulas que minha mãe dava à noite. Meu pai e minha mãe trouxeram luz para nossos irmãos caiçaras. Tínhamos um ambiente de autonomia e liberdade. Queria muito poder ter dado tudo isso aos meus filhos. Porque tudo era menos digital e mais livre, orgânico, verdadeiro e relacional. O estilo da relação da nossa família com o mundo era simples, mas ao mesmo tempo muito rico. Comíamos o que a natureza nos dava, e comíamos muito bem! Passei a infância comendo lagosta, polvo, frutos do mar e tudo da terra. Aprendi que ter saúde não é acumular. Ter fartura é poder atender as nossas necessidades e os nossos desejos sem desperdício e sem agredir o meio ambiente.
Foi um período de muita dor. Tive de amadurecer porque era a hora de ajudar a cuidar da minha família. Quando perdemos minha mãe, senti que tinha de abraçar a família. Era da minha natureza o cuidar e eu trouxe essa visão para o meu trabalho. Foi uma maneira de exercer a minha profissão de forma a conseguir trazer benefícios aos meus clientes. Sempre enxerguei a área jurídica como um viabilizador de negócios, e não o contrário. Hoje vejo que exercia minhas diversas funções na vida sempre pautada na adequação, inovando por meio do conhecimento em todas as áreas e na prevenção de riscos, ou seja, aplicava os princípios do compliance até na gestão da minha família. Acho que foi a forma que encontrei para enfrentar aquele período tão difícil e foi uma das coisas que me ajudaram a direcionar minha vida profissional também. Apesar da dor e do amadurecimento apressado, agradeço porque a vida me fez assim, por ter estrutura, saber como recomeçar.
Sim, eu já tive esse sonho! Eu me identificava muito com a ginasta romena Nadia Comaneci, que fez história no mundo com apenas 14 anos. Talvez pudesse ter participado de uma olimpíada, mas a vida me levou para outros caminhos. Quando eu faço um paralelo com o que eu vivi no esporte, e principalmente na dança, acredito muito que essa foi a minha primeira experiência profissional, me preparando para hoje. Daí desenvolvi habilidades que são um diferencial e um dos pilares do que sou hoje. Por exemplo, a construção civil é um mundo de homens. E as mulheres que são desse e de outros ramos predominantemente masculinos, ou não, precisam mais ainda confiar nelas mesmas, independentemente da altura, do corpo, do tom de voz, da posição, para sustentar ali seu lugar.
Afirmo, aqui, como é importante, dentro e fora da minha empresa, assim como na sociedade, reforçar o trabalho de sororidade, união, empatia e solidariedade entre as mulheres. Essa relação de irmandade e colaboração, eu aprendi com as minhas irmãs, a minha família, com as minhas amigas e com pessoas incríveis que tenho o privilégio de ter em minha caminhada. Poder estar nesse movimento de mulheres que podem se defender de críticas, de preconceitos, que podem defender e sustentar seu lugar, que se conectam com a sua força interna e podem contribuir com a evolução da humanidade, é muito gratificante.
Sempre amei esportes e arte e também tive facilidade de perceber a importância das leis e da justiça. Após o falecimento de minha mãe, precisei usar minha estrutura para ajudar a família. Acho que essa escolha me ajudou a trazer estrutura e justiça para todos que precisavam de mim. Meu pai sempre foi, e ainda é, um visionário e me apoiou na montagem de uma estrutura e na implantação de um sistema jurídico que hoje chamamos de compliance, mas que na época não existia. Lá atrás, meu pai, uma das minhas irmãs, também advogada, e eu implantamos esse sistema inovador e tivemos um crescimento muito rápido. Por meio da visão macro, do foco nos detalhes e da conexão entre os departamentos das empresas, nosso trabalho previne riscos em todos os sentidos e, em pouco tempo, estávamos com uma cartela de clientes que nem sequer imaginávamos ter um dia. E o melhor é que conseguimos atingir um nível de prevenção de riscos que levou ao crescimento exponencial de empresas, à redução de prejuízos e ao aumento recorrente de lucros. Continuamos desenvolvendo esse trabalho, eu aqui e minha irmã lá.
“Enxerguei a área jurídica como um viabilizador de negócios, sempre pautada na adequação, inovação e na prevenção de riscos.”
Nossa, que caminho! Eu tinha meu escritório de advocacia, estava super-realizada, com tudo fluindo muito bem. Eu vivia uma jornada de crescimento incrível, quando surgiu um novo projeto, a maternidade. Sou uma pessoa intensa no cuidar e sabia que meu estilo workaholic poderia competir com esse novo projeto. Então, optei por investir na maternidade, que é uma jornada tão intensa quanto liderar um escritório de advocacia. Virei CEO da minha família e essa foi a melhor decisão da minha vida. Pode não parecer, mas, se você olhar para a grandiosidade disso, entende que é muito mais desafiador do que liderar uma empresa. A maternidade envolve uma complexidade de questões, responsabilidades, decisões, sentimentos, que ninguém aparentemente vê ou valoriza. Eu escolhi essa imensidão toda que é ser mãe e agradeço todos os dias pela oportunidade de poder escolher, e por todo o apoio do meu marido também.
Quando decidi voltar ao mercado de trabalho e fui avaliar as opções, pensei: “Por que não reverter o meu conhecimento jurídico, de compliance, meus projetos sociais e toda a base que adquiri para dentro do negócio da família?” Então, eu entro implantando esse sistema e também com um trabalho focado no lado humano da empresa, trazendo junto meus projetos sociais.
É muito respeitoso porque essa é a cultura da empresa. Prezamos pela igualdade. Quando se veste a camisa da Pedra Forte, uma das coisas que você tem que mostrar é o respeito ao ser humano, acima de tudo. Nossas diferenças servem para nos aproximar, e não nos afastar. Possuímos o privilégio de ter uma multiplicidade de visões e isso nos traz mais opções e oportunidades. Por isso, acredito que a nossa empresa está em um patamar bastante elevado e vai chegar muito mais longe, já que um dos nossos pilares é a equanimidade, o que significa que “todo mundo é igual, tem o mesmo valor”. Logicamente respeitando hierarquias, mas pautando sempre pelo equilíbrio. Aprendi organicamente a estar nas relações. Fui atleta para estar nessa posição e aos poucos propus inovações, e sei que sou vista e respeitada por meu trabalho. Penso que as relações de trabalho, e até as relações pessoais, devem sempre ter o objetivo de complementar, colaborar, e não o de competir. Esses recursos de colaboração e humanidade aprendi com meus pais, e hoje são mais atuais e necessários do que nunca, principalmente no mundo corporativo.
Cinthya ao lado do marido Felipe na sede da Pedra Forte
Claro que sim! E essa é minha função principal na empresa. Meu trabalho foi sempre prevenir, trabalhar com a prevenção do risco de perda em todos os sentidos. Acredito que a história da minha vida me levou nessa direção, em que fui trabalhar com a prevenção das coisas, me focando sempre na evolução. Nos orgulhamos em ter hoje uma equipe preparada para atender de forma completa os nossos clientes, desde a escolha de novos terrenos, até a expertise na comercialização e no compliance jurídico e financeiro, que nos confere uma grande credibilidade no mercado. Temos uma cartela de clientes que envolve grandes empresas, multinacionais, empresas do mercado financeiro e da saúde. Enfim, nos reportamos a eles com relatórios completos em todas as áreas. Hoje temos também o departamento jurídico e de compliance, que presta total assistência, do início ao fim, aos nossos clientes, inclusive na continuidade e na comercialização após a construção. É um processo bem complexo, que exige um know-how e uma maneira especial de trabalhar, que realizamos com excelência e orgulho.
Incluí meus projetos sociais e práticas na rotina do dia da empresa trazendo as aulas de dança de alta qualidade, jazz dance e jiu-jítsu. Tenho um projeto voltado para a educação, o projeto Viart, para crianças e adolescentes, que, em primeiro lugar, privilegia nossos colaboradores e seus filhos. Com o tempo, começamos dar aulas de jazz para mães também e todos dentro da empresa estão muito engajados. Tanto as pessoas de dentro da empresa, seus filhos e mães, quanto as pessoas do bairro a nossa volta e de algumas ONGs que apoiamos. Oferecemos transporte, uniforme, alimentação e toda estrutura. Fazemos ações de pinturas, passeios, assim como nos preocupamos em suprir as necessidades complementares de saúde das crianças e das famílias, com remédios, consultas médicas, ceias e presentes de Natal, óculos, aparelhos auditivos, cadeira de rodas, material escolar. Tenho também projeto de TI com um grande parceiro, que consiste em montar computadores, instalar programas e doar para jovens. Fomos os pioneiros a apoiar o projeto que leva obras de artistas refugiados aos tapumes dos canteiros de obra. Proporcionamos mais beleza e cultura ao entorno e ficamos felizes em ver que outras construtoras também embarcaram nessa ideia.
Ainda pensando na sustentabilidade, fizemos horta solidária no prédio onde está nossa sede. Fizemos um relatório de sustentabilidade para medir a emissão de carbono em parceria com a administradora do condomínio. Estou também em um movimento de sororidade para fortalecer e unir mulheres. E há outros projetos em vista, como um voltado à educação profissionalizante e à inclusão. Aproveito aqui para agradecer a todos que me ajudam, principalmente a meu marido e meus filhos, que sempre me apoiam em todos os projetos, e a todos dentro da empresa, e fora dela, minha família e amigos. Como sempre digo, não fazemos nada sozinhos. O olhar de sustentabilidade começa com quem está perto, mas ele pode ir mais longe do que imaginamos. Adoro unir projetos e unir pessoas. Acredito que juntos podemos criar um universo de evolução, união, e contribuir ambiental e socialmente com o mundo a nossa volta.
Construímos o futuro redesenhando cidades e paisagens. Porque não basta só ganhar dinheiro. A gente também precisa construir um futuro melhor para todos nós. Vejo as construtoras como agentes fundamentais na transformação das cidades não apenas desenvolvendo empreendimentos, mas também moldando o tecido urbano e influenciando a qualidade de vida das pessoas. Como empresária, entendo que temos uma responsabilidade significativa nesse processo.
É crucial adotar uma abordagem holística e centrada nas necessidades da comunidade. Isso envolve não apenas construir estruturas físicas, mas também promover o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e o respeito ao meio ambiente. Por isso, somos comprometidos em adotar práticas responsáveis em todo o processo de desenvolvimento e construção de nossos empreendimentos, priorizando as comunidades locais, ouvindo suas demandas e contribuindo para a melhoria dos espaços públicos. A transparência e a comunicação aberta também são essenciais. Estamos empenhados em manter um diálogo constante com os stakeholders, compartilhando informações sobre nossos projetos e buscando feedback para melhorar continuamente nossas práticas. As construtoras podem desempenhar um papel positivo nas cidades, contribuindo para um ambiente urbano mais sustentável, inclusivo e vibrante.
Ainda está em desenvolvimento. É um enorme desejo meu, do meu pai e de minhas irmãs. Minha mãe foi um ser humano incrível. Ela criou e desenvolveu com meu pai projetos e métodos extraordinários. Entre eles, um método de alfabetização único e totalmente diferente. Isso ajudou crianças com dificuldades importantes de alfabetização e socialização. O livro sobre a minha mãe tem uma história incrível, atemporal e com um riquíssimo repertório cultural e semântico.
A primeira vez que vi a ardentia, meus pais estavam me levando às pressas para o hospital, de barco. Eu tinha caído e me machucado na cabeça. Estava com um hematoma grande, que meus pais nem me deixaram ver , mas sentia com as mãos que era grande. Eles viram que eu estava nervosa, então, no meio do mar, na escuridão, conforme o barco andava e mexia na água, em determinado momento começou a sair luz do mar. Foi simplesmente maravilhoso. Ficamos encantadas, minhas irmãs e eu. Nunca tínhamos visto isso. Parecia mágica. Então meus pais disseram que nunca nos esquecêssemos de que a luz nasce na escuridão, que na escuridão podemos ter a proporção da intensidade da luz e que na escuridão pode haver luz, e que eu ia sarar. Morávamos em um lugar sem luz elétrica, e no meio do mar. Era uma escuridão total. Em noites sem luar, íamos jogar pedrinhas no mar para ver a ardentia. Esta visão de vida foi dada pelos meus pais: nunca desistir e sempre buscar a luz, mesmo na escuridão. Para mim, isso se tornou um princípio de vida e me fez enxergar possibilidades, novas maneiras de enfrentar e vencer os desafios que se apresentam. Afinal, a luz nasce da escuridão.