Da curiosidade inicial à hiperpersonalização, empresas têm diante de si a chance de transformar serviços e ganhar relevância
Colaboração de Gabriel Valentim, engenheiro de computação e cofundador da Nero.AI
Nos últimos dois anos, testemunhamos uma verdadeira mudança de comportamento no Brasil. A inteligência artificial deixou de ser curiosidade de nicho para se tornar parte da vida cotidiana de milhões de pessoas. Uma pesquisa da Opinion Box publicada pela Forbes mostrou que 93% dos brasileiros conectados já utilizaram ferramentas de IA generativa, sendo o ChatGPT e o Gemini os líderes dessa jornada. Não se trata mais de um fenômeno isolado, mas de um movimento cultural que começa a redefinir a forma como aprendemos, trabalhamos e consumimos.
Hoje, vemos consumidores usando IA para aprender uma língua estrangeira, organizar a rotina de estudos, gerar conteúdos para redes sociais, revisar contratos ou até planejar viagens. O que antes exigia horas de esforço, agora pode ser resolvido em minutos com apoio de um assistente digital. Esse comportamento sinaliza algo maior: estamos entrando na fase da hiperpersonalização, em que as ferramentas não apenas respondem, mas se adaptam ao usuário, entendem seu contexto e oferecem soluções sob medida.
Essa transição abre um conjunto enorme de oportunidades para empresas de serviços no Brasil. Imagine plataformas de educação que oferecem não apenas aulas prontas, mas trilhas personalizadas que se ajustam ao estilo de aprendizado de cada estudante. Ou bancos que integram IA em seus aplicativos para recomendar investimentos de acordo com o perfil de risco e até o momento de vida do cliente. Ou ainda o varejo digital, que pode ir além das recomendações genéricas para oferecer experiências realmente customizadas — como se cada consumidor tivesse um consultor exclusivo à disposição.
Mas para que isso aconteça de forma sustentável, alguns pontos são inegociáveis. O primeiro deles é o contexto e a continuidade. Os consumidores já usam aplicativos de mensagens, redes sociais, sistemas de pagamento… A IA precisa se integrar a esse ecossistema, respeitando o histórico do usuário, mantendo consistência e oferecendo valor sem fricção.
O segundo é o idioma. No Brasil, ainda é comum encontrar interfaces de IA que soam artificiais, como traduções literais do inglês. Se quisermos conquistar de fato os usuários, precisamos investir em português natural, que leve em conta expressões regionais, sotaques e até o uso de voz. É nesse detalhe que se ganha a confiança do consumidor.
E confiança é justamente o terceiro ponto. Segundo levantamento do Opinion Box, apenas 11% dos brasileiros confiam totalmente na IA quando o assunto é privacidade. Esse dado deve servir de alerta para quem empreende com tecnologia: a privacidade e a transparência não são apenas obrigações regulatórias, mas diferenciais competitivos. Empresas que deixarem claro como os dados são usados e oferecerem ao consumidor controle sobre suas informações terão muito mais chances de se destacar.
O que vejo é que estamos diante de uma inflexão importante. A IA já conquistou a atenção do consumidor brasileiro. A próxima etapa é conquistar sua confiança e se tornar indispensável no dia a dia. Para empreendedores e empresas de serviços, é o momento de sair da superfície e investir em soluções que realmente entendam as pessoas. Hiperpersonalização não é buzzword, é uma exigência de um público que já percebeu o poder da tecnologia e agora quer mais do que eficiência: quer relevância.
No fim, o que muda não é apenas a tecnologia, mas a relação entre consumidores e empresas. É um novo contrato, baseado em personalização, linguagem natural e transparência, que pode criar uma das maiores oportunidades de inovação dos últimos anos.