Vamos falar da história nada provisória do IOF, o transitório que se perpetuou
Por Deia Gorayeb*
Algumas tradições brasileiras parecem ter certa malícia, em meio ao mundo em constante renovação. Ainda assim, continuam poderosas. Por exemplo: as Festas Juninas, com suas fogueiras e bandeirinhas. Elas são uma lembrança de como certos rituais se mantêm vivos no imaginário coletivo, mesmo em meio às transformações do tempo. Essa reflexão sobre o que deveria ser transitório, mas se torna estrutural, também serve para pensar certos mecanismos da nossa economia. E poucos ilustram isso tão bem quanto o IOF.
Criado em 1966, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nasceu como um instrumento de regulação econômica. Sua função seria atuar sobre operações de crédito, câmbio, seguros e investimentos, controlando a liquidez e protegendo o sistema financeiro em momentos específicos. Na teoria, é um imposto de caráter transitório, acionado conforme a necessidade da política econômica. Na prática, o IOF se consolidou como uma ferramenta permanente de arrecadação, frequentemente usada para reforçar o caixa do Governo Federal diante de desafios fiscais.
O que deveria ser uma válvula de ajuste se transformou em uma linha fixa na arrecadação pública. O IOF incide sobre operações cotidianas – empréstimos, financiamentos, seguros, remessas internacionais e compras com cartão de crédito no exterior. É aquela cobrança que aparece na sua fatura quando você se aventura a consumir em dólar, euro ou peso.
Esse fenômeno não é isolado. Ele revela uma lógica recorrente na política fiscal brasileira: instrumentos criados como soluções pontuais acabam se tornando permanentes. Em vez de avançar rumo a um sistema mais claro, previsível e eficiente, preservam-se dispositivos que operam como atalhos fiscais de curto prazo.
E não para por aí. O IOF também protagoniza cenas no palco internacional. O Brasil firmou acordos comerciais com o Mercosul, União Europeia e outros parceiros, comprometendo-se a reduzir – ou eliminar – o IOF sobre operações financeiras internacionais. Na teoria, uma estratégia para modernizar o ambiente econômico e atrair investimentos. Na prática, a promessa ficou na diplomacia. O contribuinte segue pagando IOF sempre que usa o cartão no exterior ou faz uma compra digital lá fora.
Enquanto isso, seguimos observando como o IOF – originalmente um mecanismo de regulação – se tornou um retrato da dificuldade brasileira em encerrar ciclos, revisar práticas e transformar o provisório em, de fato, transitório. Uma escolha que não diz respeito apenas às finanças públicas, mas ao próprio modelo de desenvolvimento que o país pretende construir.
*Deia Gorayeb é economista. Atua no mercado financeiro como investidora, estrategista de negócios e conselheira de empresas.