Os australianos criam jovens mais independentes e resilientes do que nós. Aprendamos com eles
Por Mariela Silveira*
No último ano, percorri os cinco continentes. Estive em 58 países, observando comportamentos de saúde, expectativa de vida e felicidade. Entre tantas culturas, a Austrália destacou-se em desenvolvimento humano, inspirando-me a criar a expressão Paradoxo Canguru. Vejamos: o país do Índico que abriga o maior número de marsupiais do mundo, tendo 70% das 334 espécies conhecidas, como cangurus e coalas. Esse grupo é conhecido pela grande proteção materna. Cangurus vivem em grupos, onde fêmeas protegem seus filhotes, que nascem frágeis e passam meses na bolsa materna, alcançando autonomia apenas entre 18 e 24 meses. Já o comportamento humano australiano contrasta com essa superproteção.
Os pais estimulam os filhos a desenvolverem independência cedo, explorando o meio ambiente e brincadeiras livres que exijam o desenvolvimento psicomotor. As crianças passam menos tempo em telas em comparação com outros países. Incluindo o Brasil. Apenas 20% delas excedem às duas horas diárias recomendadas de tempo de tela, contra 70% das crianças brasileiras (Australian Institute of Family Studies, 2024; Ministério da Saúde, Brasil, 2023). Além disso, o exercício físico é prioridade.
Muitas escolas oferecem atividades às 5h ou 6h, antes das aulas, promovendo natação, surfe e treinamento de salva-vidas. Mais: muitas crianças e jovens vão para a escola caminhando ou de bicicleta e são premiados por isso. A Austrália é um dos países menos sedentários, com 65% da população praticando atividades físicas regulares, contra 47% no Brasil (WHO, 2023).
Essa cultura de movimento tem um custo: ao final do dia, entorses ou fraturas são comuns. No Brasil, é raro ver crianças com talas ou gessos. Temos a intenção de protegê-las de perigos. Estaríamos criando uma geração superprotegida, incapaz de lidar com obstáculos? A autonomia estimulada na Austrália parece formar indivíduos mais resilientes.
Jovens australianos deixam a casa dos pais mais cedo, em média aos 21 anos, enquanto no Brasil isso ocorre por volta dos 26 anos (ABS, 2023; IBGE, 2022). Na velhice, 25% dos idosos australianos vivem em lares especializados, contra apenas 5% no Brasil (AIHW, 2024; IBGE, 2023).
O Paradoxo Canguru pode ter raízes históricas e culturais. Entre outros motivos, a chegada de ingleses (muitos ex-prisioneiros em busca de recomeço), a coragem dos povos aborígenes e a infraestrutura segura. Os australianos equilibram trabalho, lazer, família e exercícios físicos. Viagens em motorhomes e trailers são práticas comuns, incentivadas por empresas e escolas.
A autonomia não exclui a coletividade. O grupo se fortalece, mas incentiva cada indivíduo a explorar o mundo. O Brasil poderia se inspirar nesse equilíbrio, promovendo uma geração mais independente, capaz de enfrentar desafios com coragem e responsabilidade.
*Dra. Mariela SIlveira é médica especialista em nutrologia e diretora médica do Kurotel