O bloco dos países emergentes já responde por 39% do PIB mundial, reúne quase metade da população global e detém 72% das reservas de terras raras, imprescindíveis na indústria tecnológica
Por Luiz Maciel
O economista britânico Jim O’Neill, chefe de pesquisa do influente grupo financeiro Goldman Sachs, de atuação global, escreveu um relatório, em 2001, afirmando que quatro nações em desenvolvimento estavam merecendo entrar para o G7, o clube integrado por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Itália.
O G7, afinal, representava apenas as sete nações mais ricas e desenvolvidas no ano em que foi fundado, 1975. Estava ultrapassado, congelado no tempo. E os países que estavam pedindo passagem eram Brasil, Rússia, Índia e China, cujas iniciais foram juntadas por O’Neill para criar um acrônimo sonoro: BRIC.
Da parte dos membros do G7 não houve nenhum movimento de abertura a novos sócios. Já os governos dos países emergentes citados gostaram do relatório do Goldman Sachs e, aos poucos, passaram a fazer sondagens entre si sobre a possibilidade real de formação de um bloco em contraposição ao antigo clube dos países ricos. As conversas ganharam um tom mais sério quando o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov – que, aliás, permanece no cargo até hoje – procurou o colega brasileiro Celso Amorim para tratar do tema em 2003, no início do primeiro mandato do presidente Lula.
“O Lavrov realmente me procurou e sugeriu a criação do foro BRIC”, confirma o ex-ministro Amorim, hoje assessor especial de Lula para assuntos internacionais, em depoimento ao Podcast BRICS, que alimenta notícias sobre a próxima reunião da cúpula do bloco, que acontecerá agora em julho, no Rio de Janeiro. Mas a ideia de fortalecer a cooperação entre os países em desenvolvimento, ressalta Amorim, já era uma bandeira do governo Lula. “Quando o Lavrov fez essa sugestão, era mais a criação de um foro para discutir ali na ONU. Aquilo foi evoluindo, depois fizemos uma primeira reunião fora da sede da ONU, mas de ministros, e a primeira reunião mesmo de presidentes foi em 2009 em Ecaterimburgo [na Rússia]”, lembra.
Desde essa primeira reunião de cúpula em 2009, a nova confederação de países emergentes, criada em defesa de um mundo multipolar, com vários centros de poder, passou a ser um protagonista de fato na cena mundial – embora até hoje siga sendo uma organização informal, sem sede definida nem estatuto.
“A nova confederação de países emergentes foi criada em defesa de um mundo multipolar, com vários centros de poder”
O BRICS adotou de bom grado o acrônimo sugerido por O’Neill, depois ampliou o bloco, com a entrada da África do Sul em 2011. Hoje, seus países-membros, que já são onze, representam 39% do PIB mundial, 36% da área continental do planeta e 48,5% da população global. O BRICS responde, ainda, por 43,6% da produção mundial de petróleo, 36% da produção de gás e 72% das reservas de terras raras – sem as quais não se constroem, por exemplo, motores elétricos, turbinas eólicas, discos rígidos de computadores e sistemas antimísseis.
Um passo decisivo para a consolidação do BRICS foi a criação, em 2014, do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial no financiamento de projetos de infraestrutura dos países do bloco – e também, eventualmente, de outras nações em desenvolvimento do Sul Global. O NBD, sim, é uma instituição formal, com estatuto aprovado pelos Congressos dos cinco países que compunham o bloco no ano de sua fundação.
Comandado desde 2023 pela ex-presidente brasileira Dilma Roussef, o banco do BRICS já aprovou 120 projetos até hoje, no montante de US$ 39 bilhões. Um dos mais recentes é a extensão da rede de esgoto de Belém, que em novembro próximo sediará a COP30, a conferência mundial do clima – a capital do Pará tem um baixíssimo índice de saneamento básico.
As decisões do BRICS são anunciadas em reuniões anuais de cúpula, comandadas de forma rotativa pelos líderes dos cinco países representados na sigla do bloco. Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, os novos membros admitidos na reunião de 2024, na Rússia, ainda não tiveram oportunidade de participar desse rodízio. Esta é a quarta vez que o Brasil sedia uma reunião do bloco – as anteriores aconteceram em 2010, em Brasília; em 2014, em Fortaleza; e em 2019, novamente em Brasília.
“O bloco compartilha um passado de colonialismo, desigualdade socioeconômica e desafios de desenvolvimento”
Antes do encontro de cúpula, uma força-tarefa do país-sede, denominada Conselho de Think Thanks do BRICS, pesquisa o material que dará sustentação aos principais assuntos constantes na pauta e um representante diplomático atua como intermediário entre as delegações, organizando reuniões técnicas e o texto final dos documentos e propostas que serão apresentados aos líderes – trata-se de uma missão crucial, a ponto de dar ao diplomata encarregado o título de sherpa, o mesmo dos guias que levam alpinistas ao topo do Everest.
O conselho que preparou o evento deste ano foi coordenado por Luciana Servo, presidente do IPEA – o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Planejamento e Orçamento, e o sherpa brasileiro é o embaixador Mauricio Lyrio, que serviu recentemente na Austrália.
A falta de um documento constitutivo formal, que poderia dar ao BRICS um caráter de instituição provisória, na verdade é o que garante o traço de união entre países que adotam políticas internas tão diversas, como a democracia brasileira, o capitalismo de Estado da China, a teocracia do Irã e a ditadura familiar da Arábia Saudita. Os membros do bloco estão juntos, afinal, porque a atuação em conjunto amplifica a voz de cada um deles nas negociações internacionais. Representam o chamado Sul Global, o grupo de países que, embora não estejam todos situados no Hemisfério Sul, compartilham um passado de colonialismo, desigualdade socioeconômica e desafios de desenvolvimento.
No encontro deste ano, o BRICS voltará a abordar temas recorrentes, como a reforma da ONU e a cooperação mundial nas áreas de saúde, comércio e mudanças climáticas – mas, pelo que foi discutido na reunião preparatória dos chanceleres, em abril, deverá avançar para um tema delicado: a necessidade de atuar para pôr fim a conflitos regionais. Nesse caso, não há como restringir o assunto apenas às conflagrações entre países da África e a guerra de Israel contra o Hamaas. Terá de discutir também a invasão da Ucrânia por um dos sócios-fundadores do bloco, a Rússia.
2001
A consultoria global Goldman Sachs cunha o termo BRIC, formado pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, num relatório em que cita quatro países emergentes com potencial de ganhar protagonismo no futuro.
2006
Ministros do Brasil, Rússia, Índia e China anunciam uma parceria para o desenvolvimento de suas economias, em contraposição ao G7, que reúne sete países do Primeiro Mundo. A nova confederação adota o nome sugerido: BRIC.
2009
A primeira reunião entre os presidentes dos países-membros do BRIC acontece em Ecaterimburgo, na Rússia. O bloco reafirma a necessidade de uma reforma no sistema financeiro mundial e comunica que passará a se reunir oficialmente todos os anos.
2010
A segunda reunião de cúpula do BRIC é realizada em Brasília, na qual é assinado um acordo para facilitar o financiamento de obras e projetos entre os países, principalmente nas áreas de energia e infraestrutura.
2011
A África do Sul entra no bloco, reforçando o papel da instituição como representante do Sul Global ao incorporar um membro do continente africano. Com isso, o nome oficial passa a ser BRICS.
2014
O Brasil preside novamente uma reunião do BRICS, desta vez em Fortaleza. O encontro formaliza a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com o objetivo de financiar projetos de infraestrutura nos países-membros.
2019
O Brasil volta a sediar um encontro de cúpula do BRICS em Brasília, na qual os assuntos dominantes foram o fortalecimento do comércio entre os países do bloco e a necessidade do cumprimento do Acordo de Paris para conter a crise climática.
2023
Com sede em Xangai (China) e escritórios em São Paulo e Gujarat (Índia), o NDB passa a ser comandado pela ex-presidente brasileira Dilma Roussef.
2024
No encontro de cúpula realizado em Kazan, na Rússia, seis países são admitidos como novos membros: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. A Argentina recusa o convite para integrar o bloco.
2025
O Brasil assume novamente a presidência do BRICS, cuja reunião de cúpula acontecerá em julho no Rio de Janeiro. O NDB aprova projeto de extensão da rede de esgoto de Belém, que será sede da COP30, a conferência mundial do clima, em novembro.