Nova pesquisa com mais de 200.000 pessoas em 22 países busca padrões globais e diferenças locais; cada tradição tem uma visão diferente, mas todas concordam: uma vida boa é mais do que apenas se sentir bem — é sobre se tornar completo
Por Victor Counted, Tyler VanderWeele e Byron Johnson, Em The Conversation*
*Artigo reproduzido via Creative Commons. Leia o conteúdo original.
O que significa viver uma vida boa? Durante séculos, filósofos, cientistas e pessoas de diferentes culturas tentaram responder a essa pergunta. Cada tradição tem uma visão diferente, mas todas concordam: uma vida boa é mais do que apenas se sentir bem — é sobre se tornar completo.
Mais recentemente, pesquisadores têm se concentrado na ideia de florescimento, não simplesmente como felicidade ou sucesso, mas como um estado multidimensional de bem-estar que envolve emoções positivas, engajamento, relacionamentos, significado e realização — uma ideia que remonta ao conceito de “eudaimonia” de Aristóteles, mas que foi redefinida na literatura da ciência do bem-estar.
Florescer não é apenas bem-estar e como você se sente por dentro. É sobre toda a sua vida ser boa, incluindo as pessoas ao seu redor e o lugar onde você mora. Coisas como sua casa, seu bairro, sua escola ou local de trabalho e seus amigos, todos importam.
Somos um grupo de cientistas psicológicos, cientistas sociais e epidemiologistas que contribuem para uma colaboração internacional chamada Estudo do Florescimento Global. O objetivo do projeto é simples: encontrar padrões de florescimento humano em diferentes culturas.
As pessoas em alguns países prosperam mais do que em outros? O que faz a maior diferença no bem-estar de uma pessoa? Há coisas que as pessoas podem fazer para melhorar suas próprias vidas? Compreender essas tendências ao longo do tempo pode ajudar a moldar políticas e programas que promovam o florescimento humano global.
Em que se concentra o estudo sobre florescimento?
O Estudo Global Flourishing é uma pesquisa anual de cinco anos com mais de 200.000 participantes de 22 países, utilizando amostragem nacionalmente representativa para compreender a saúde e o bem-estar. Nossa equipe inclui mais de 40 pesquisadores de diferentes disciplinas, culturas e instituições.
Com a ajuda da Gallup Inc., perguntamos às pessoas sobre suas vidas, sua felicidade, sua saúde, suas experiências de infância e como elas se sentem em relação à sua situação financeira.
O estudo analisa seis dimensões de uma vida florescente:
Felicidade e satisfação com a vida: como as pessoas se sentem satisfeitas e realizadas com suas vidas.
Saúde física e mental: como as pessoas se sentem saudáveis, tanto no corpo quanto na mente.
Significado e propósito: se as pessoas sentem que suas vidas são significativas e estão caminhando em uma direção clara.
Caráter e virtude: como as pessoas agem para promover o bem, mesmo em situações difíceis.
Relacionamentos sociais próximos: quão satisfeitas as pessoas estão com suas amizades e laços familiares.
Estabilidade financeira e material: se as pessoas se sentem seguras quanto às suas necessidades básicas, incluindo alimentação, moradia e dinheiro.
Tentamos quantificar o desempenho dos participantes em cada uma dessas dimensões usando uma escala de 0 a 10. Além de usar a medida Secure Flourish do Programa de Florescimento Humano de Harvard, incluímos perguntas adicionais para investigar outros fatores que influenciam o quanto alguém está florescendo.
Por exemplo, avaliamos o bem-estar por meio de perguntas sobre otimismo, paz e equilíbrio na vida. Medimos a saúde perguntando sobre dor, depressão e exercícios. Medimos os relacionamentos por meio de perguntas sobre confiança, solidão e apoio.
Quem está prosperando e por quê?
Nossa primeira onda de resultados revela que alguns países e grupos de pessoas estão se saindo melhor que outros.
Ficamos surpresos ao constatar que, em muitos países, os jovens não estão se saindo tão bem quanto os adultos mais velhos. Estudos anteriores sugeriram que o bem-estar segue uma curva em U ao longo da vida, com o ponto mais baixo na meia-idade. Nossos novos resultados sugerem que os adultos mais jovens de hoje enfrentam crescentes desafios de saúde mental, insegurança financeira e perda de sentido, que estão rompendo a tradicional curva em U do bem-estar.
Pessoas que trabalhavam — para si mesmas ou para outra pessoa — também tendiam a se sentir mais seguras e felizes do que aquelas que procuravam emprego.
Pessoas que frequentam cultos religiosos uma vez por semana ou mais geralmente relataram pontuações mais altas em todas as áreas de desenvolvimento – particularmente felicidade, significado e relacionamentos. Essa descoberta foi observada em quase todos os países, mesmo em países muito seculares, como a Suécia.
Parece que as comunidades religiosas oferecem o que os psicólogos da religião chamam de quatro B’s: pertencimento, na forma de apoio social; vínculo, na forma de conexão espiritual; comportamento, no cultivo do caráter e da virtude por meio de práticas e normas ensinadas nas comunidades religiosas; e crença, na forma de abraçar a esperança, o perdão e as convicções espirituais compartilhadas.
Mas algumas pessoas que frequentam cultos religiosos também relatam mais dor ou sofrimento. Essa correlação pode ocorrer porque as comunidades religiosas costumam oferecer apoio em momentos difíceis, e os frequentadores assíduos podem estar mais atentos ou mais propensos a sentir dor, tristeza ou doença.
Seus primeiros anos moldam o que você fará mais tarde na vida. Mas mesmo que a vida tenha começado desafiadora, ela não precisa continuar assim. Algumas pessoas que tiveram uma infância difícil, tendo sofrido abuso ou pobreza, ainda encontraram significado e propósito mais tarde, na vida adulta. Em alguns países, incluindo os EUA e a Argentina, as dificuldades na infância parecem desenvolver resiliência e propósito na vida adulta.
Globalmente, homens e mulheres relatam níveis semelhantes de desenvolvimento. Mas em alguns países há grandes diferenças. Por exemplo, as mulheres no Japão relatam pontuações mais altas do que os homens, enquanto no Brasil, os homens relatam um desempenho melhor do que as mulheres.
Onde as pessoas estão prosperando mais?
Alguns países estão se saindo melhor que outros quando se trata de prosperidade.
A Indonésia está prosperando. As pessoas de lá obtiveram pontuações altas em muitas áreas, incluindo significado, propósito, relacionamentos e caráter. A Indonésia é um dos países com as pontuações mais altas na maioria dos indicadores de todo o estudo.
México e Filipinas também apresentam resultados positivos. Embora esses países tenham menos recursos do que outros, as pessoas relatam laços familiares fortes, vida espiritual e apoio comunitário.
Japão e Turquia apresentam pontuações mais baixas. O Japão tem uma economia forte, mas as pessoas relatam menor felicidade e conexões sociais mais fracas. Longas jornadas de trabalho e estresse podem ser parte do motivo. Na Turquia, desafios políticos e financeiros podem estar prejudicando a confiança e a segurança das pessoas.
Um resultado surpreendente é que países mais ricos, incluindo Estados Unidos e Suécia, não estão prosperando tão bem quanto outros. Eles se saem bem em estabilidade financeira, mas têm pontuações mais baixas em significado e relacionamentos. Ter mais dinheiro nem sempre significa que as pessoas estão se saindo melhor na vida.
De fato, países com renda mais alta frequentemente relatam níveis mais baixos de significado e propósito. Enquanto isso, países com taxas de fertilidade mais altas frequentemente relatam mais sentido na vida. Essas descobertas mostram que pode haver um trade-off. O progresso econômico pode melhorar algumas coisas, mas enfraquecer outras.
O panorama geral
O Estudo Global Flourishing nos ajuda a perceber que pessoas em todo o mundo desejam muitas das mesmas coisas básicas: ser felizes, saudáveis, conectadas e seguras. Mas diferentes países alcançam esses objetivos de maneiras diferentes. Não existe uma solução única para o florescimento. O significado de florescer pode variar de um lugar para outro e de uma pessoa para outra.
Um desafio do Estudo Global sobre o Florescimento é que ele utiliza o mesmo conjunto de perguntas em todos os 22 países. Esse método, conhecido como abordagem ética, nos ajuda a comparar resultados entre culturas. Mas pode ignorar as nuances e os significados locais do florescimento. O que traz felicidade ou propósito em um país ou contexto pode não significar o mesmo em outro.
Consideramos este estudo um ponto de partida. Ele abre caminho para mais estudos étnicos – pesquisas que utilizam questões e ideias que se encaixam nos valores, na linguagem e na vida cotidiana de culturas e sociedades específicas. Pesquisadores podem se basear nas descobertas deste estudo para ampliar nossa compreensão e mensuração do florescimento em todo o mundo.