Antonio Lacerda, diretor-geral de celulose da CMPC no Brasil, aborda competitividade global, inovação, sustentabilidade, logística e o impacto social das operações da companhia
Por Mario Ciccone
Fotos Fabiano Panizzi
A celulose é parte invisível do cotidiano. Está presente em papéis, tecidos, embalagens e até em soluções tecnológicas de ponta. No Brasil, esse setor se consolidou como um dos mais competitivos do mundo, combinando recursos naturais, práticas sustentáveis e logística integrada.
À frente da operação da CMPC, gigante chilena que chegou ao país em 2009 e hoje lidera investimentos bilionários no Rio Grande do Sul, Antonio Lacerda destaca o papel do Brasil como referência global. Nesta entrevista, ele detalha os diferenciais da produção nacional, os desafios logísticos, os avanços em inovação e economia circular, além do impacto social da empresa nas comunidades vizinhas.
THE PRESIDENT _ Como avalia hoje a competitividade do setor de celulose no Brasil, especialmente em termos de custo, logística e sustentabilidade?
Antonio Lacerda – É importante destacar que a celulose é um insumo de extrema importância para a vida cotidiana. Ela é utilizada na fabricação de papéis, tecidos, materiais térmicos, itens de higiene, embalagens, entre outros. Em 2024, a exportação aos Estados Unidos representou quase US$ 1,77 bilhão. Cabe destacar que o Brasil é um dos líderes globais na produção de celulose, graças à abundância de recursos naturais e condições climáticas favoráveis. A produção de celulose no Brasil é pautada por práticas sustentáveis. Garantiram muitas certificações internacionais que reconhecem a qualificação do trabalho.
Quais são os maiores desafios que a CMPC enfrenta para ampliar a produção ou atender novos mercados?
Manter a eficiência logística e operacional é um desafio constante. A celulose tem uma longa cadeia de negócios. Tudo começa com o plantio do eucalipto. Essas árvores demoram pelo menos sete anos até serem colhidas, transportadas e entrarem no processo. Localizada em Guaíba (região metropolitana de Porto Alegre), a CMPC recebe 400 caminhões de madeira por dia. Também somos responsáveis por mais de 40% do transporte total de cargas por hidrovia no RS. Temos um porto próprio, de modo que praticamente toda nossa celulose é encaminhada à exportação por meio de barcaça. Cada barcaça retorna até a linha de produção trazendo madeira que é plantada na região Sul do estado. Assim, a CMPC evita até 100 mil viagens de caminhão por ano.
Sobre eficiência operacional, cabe destacar o projeto BioCMPC. Com R$ 2,75 bilhões de investimento, a unidade ampliou em 18% sua capacidade produtiva e reduziu em 60% suas emissões de carbono. Não poderíamos deixar de destacar o Natureza CMPC, o maior investimento privado da história do RS. O projeto prevê esforços em quatro eixos prioritários: apoio e incentivo à silvicultura sustentável; melhorias em infraestrutura logística; práticas de conservação ambiental e cultural; e produção industrial avançada. Instalaremos de uma indústria de celulose no município de Barra do Ribeiro, com investimento de cerca de R$ 27 bilhões.
De que forma a CMPC está investindo em inovação?
Parte do portfólio da área de biomateriais da companhia inclui o estudo para o desenvolvimento de estratégias de fabricação da celulose microfibrilada (MFC). Essa forma tem aplicação em reforço de compósitos, papéis técnicos, tintas e adesivos. A companhia também oferece diversos produtos sob o guarda-chuva da CMPC Biopackaging: Molded Pulp para bandejas de delivery; embalagens para pet food; e linha Elite Eco, onde embalagens primárias são 100% recicláveis e biodegradáveis.
O investimento em busca de novas tecnologias faz parte da estratégia de evolução contínua da companhia, incluindo o estabelecimento de parcerias com startups.
A economia circular figura entre os pilares estratégicos da empresa. Poderia compartilhar exemplos práticos de processos ou tecnologias recentes que vocês incorporaram?
Há mais de 30 anos a CMPC é uma empresa zero resíduo. Por meio do Hub CMPC de Economia Circular, transformamos 100% dos resíduos do processo industrial da nossa unidade de Guaíba em mais de 13 novos produtos. Entre eles, fertilizante orgânico para o solo, chapas de madeira MDF, matéria-prima para produção de cimento, palmilhas de calçados e caixas de ovos.
O propósito da CMPC inclui “conservar o meio ambiente e os recursos naturais” e operar com base em manejo florestal sustentável. Como é o processo de certificação e verificação dessas práticas, e quais são os principais indicadores ambientais que vocês monitoram?
A companhia possui mais de 230 mil hectares de área conservada em sua operação florestal no Rio Grande do Sul. Somos detentores de certificações florestais auditadas anualmente, reconhecidas internacionalmente e alinhadas às exigências do mercado, o que atesta a rastreabilidade, a qualidade e a excelência de nossos processos. Nossa visão de futuro é de uma sociedade na qual todos estão comprometidos com o bem-estar e a evolução da comunidade, com processos limpos, utilização de energia limpa, renovável, além de não deixar resíduos ou interferências no meio ambiente. Conviver com as comunidades e conservar os recursos naturais faz parte do propósito da CMPC.
Em relação às comunidades vizinhas às operações, quais iniciativas sociais têm tido mais impacto?
Desde a nossa chegada ao Rio Grande do Sul, sempre procuramos atuar em parceria com o povo gaúcho. Temos uma relação especial com as comunidades. Desenvolvemos diversas iniciativas para a população com o objetivo de gerar emprego e renda, além de ações educacionais, culturais e desportivas. Destaco o Instituto CMPC, que atua como braço social da companhia. Ele realiza atividades gratuitas de contraturno escolar para estudantes da rede municipal de Guaíba. Com conclusão prevista para 2027, a sede do Instituto CMPC será um espaço multiuso completo, onde serão desenvolvidas atividades voltadas aos pilares de educação e inclusão social.
Outro grande exemplo é o Fundo Valor Local, programa da CMPC que funciona há cinco anos para patrocínio de iniciativas sociais de comunidades vizinhas às operações da empresa no RS. Nas primeiras quatro edições, foram destinados mais de R$ 1,5 milhão em 68 projetos no estado. Em 2025, destinamos R$ 500 mil a serem distribuídos em projetos de até R$ 30 mil cada.
A CMPC começou no Brasil em 2009 ao adquirir a unidade de Guaíba. Como foram as principais fases de crescimento?
Em 2013, iniciou-se o trabalho de adaptação de processos e ampliação da linha G2, representada em um investimento na ordem de R$ 5 bilhões e que quadriplicou a produção da unidade. De lá para cá, foram realizadas diversas modernizações operacionais. Hoje somos benchmark global em sustentabilidade, quando considerados parâmetros como gestão de resíduos, tratamento de efluentes, emissões atmosféricas, sistemas de tratamento de gases e gestão ambiental. Não é coincidência que a CMPC foi eleita duas vezes consecutivas como a empresa florestal mais sustentável do mundo (2023 e 2024), conforme o Índice Dow Jones de Sustentabilidade
Poderia contar um pouco sobre os desafios enfrentados nos primeiros anos após a aquisição da planta Guaíba?
Os primeiros anos foram de adaptação, especialmente do ponto de vista de observação de como funcionam os negócios no Brasil, respeitando os processos e a cultura local. Essas questões abrangem o relacionamento com as comunidades. Por exemplo: todos os anos, a CMPC produz e doa cadernos para a rede pública de ensino do RS e, neste ano, foram 500 mil. No aspecto operacional, a unidade passou por muitas modernizações. No setor de celulose, frequentemente surgem novas tecnologias. É de suma importância estar com os olhos atentos ao que o mercado proporciona.
A estratégia da CMPC para 2030 está centrada em cinco pilares: sustentabilidade, crescimento e inovação, cliente, competitividade e talento. Como equilibrá-los?
Cada pilar se conecta aos demais, formando um elo coeso. Mas cada um tem um objetivo específico. Em sustentabilidade, por exemplo, buscamos a liderança e atuação para a mudança no desenvolvimento social. É muito comum em empresas elaborarem metas espetaculares, mas que não são atingidas porque não fazem parte do dia a dia dos profissionais. Aqui é diferente. Frequentemente nossos times de reúnem e debatem o atingimento das metas de curto, médio e longo prazo.
Que metas a CMPC definiu para os próximos 5, 10 anos em redução de emissões, neutralidade de carbono, conservação de biodiversidade e no uso de energia renovável?
Temos o compromisso público de estabelecer até o fim do ano a diminuição em 25% do uso de água nos processos industriais e de nos tornar uma companhia com zero resíduo em aterros sanitários. Também são objetivos até 2030 reduzir em 50% as emissões de gases causadores de efeito estufa e em aumentar em 100 mil hectares a área de conservação.
Em relação às áreas de conservação, já atingimos 93% da meta, cujo prazo é até o ano de 2030; já na eliminação de resíduos, 89% de meta foi atingida; enquanto no controle da emissão de gases causadores do efeito estufa, o grau de atingimento chega a 70%. Na diminuição do uso de água, a companhia já avançou cerca de 64% do objetivo estabelecido.
Para completar, a CMPC tem atuado fortemente para eliminar o uso de combustíveis fósseis em suas operações. Somos a primeira empresa do Brasil a operar com empilhadeiras elétricas com capacidade de transporte de 16 toneladas, bem como já investimos em gruas e guindastes e elétricos.